Sorvetes e bebidas frescas na Lisboa do Passado (séculos XVII-XVIII)

 

O calor, tantas vezes sufocante e abrasador que se fazia sentir em Lisboa nos meses do estio clamava, tal como hoje, pela frescura dos sorvetes, das bebidas nevadas e dos refrescos. Estas iguarias que já integravam pelo menos desde o século XVII as mesas da Casa Real e da fidalguia da Corte, depressa ficou ao alcance do paladar dos restantes lisboetas.

O processo de fabricação de sorvetes resultava da aromatização da neve com um preparado de sumos de frutas e açúcar, limonada ou leite, podendo as refrescantes guloseimas ser feitas em casa ou adquiridas a sorveteiros e em lojas de bebidas e casas de neveiros da Baixa.

Um pouco antes do terramoto de 1755 a neveira D. Catarina Ricard (contratadora e fornecedora de neve da família real e da cidade) detinha um monopólio que lhe permitiu possuir várias lojas de neve e de bebidas, mandando “vender por todas as ruas desta cidade em benefício dos doentes e para mais cómodo regalo das pessoas que querem usar das bebidas frescas” (AML-AH, consulta sobre o provimento da neve. 1753-11-22 ). A neve era tão importante que visando tornar o seu preço mais acessível se construíram poços para neve em Lisboa, pelo menos um na Graça e outro no Castelo, mas sem sucesso. A falta de neve chegou mesmo a ser considerada um caso de saúde pública “porque deste regalo mandão hoje usar os médicos como remédio”. Veja-se que para consumo em dia de auto de fé a casa real encomendou 20 arrobas de neve [c. de 240 kg] (AML-AH, Chancelaria Régia, Livro 8º de consultas, decretos e avisos de D. José I, f. 203 a 206v).

A formação da matéria-prima, o gelo, ocorria no inverno e estava sujeita aos caprichos da natureza, dependendo a sua escassez ou abundância dos nevões que caiam nas serras. Enchiam-se então os poços, ou covões para a formação do gelo e seguia-se o respetivo armazenamento em casas de neve.

E a partir de meados de abril, e idealmente até finais de outubro, a neve começava a chegar a Lisboa sob a responsabilidade do neveiro contratador. Era transportada desde a Serra da Estrela, em blocos envoltos em serapilheira e cobertos de palha (existiram poços de gelo nas serras da Lousã e Montejunto onde no final do século XVIII foi fundada a real fábrica do gelo).

Num trajeto longo e sinuoso, que no decurso do tempo foi melhorado e provido de casas de apoio, a neve era transportada em carruagens por almocreves até um porto fluvial onde era transferida para barcaças que a conduziam até à capital, quase sempre com a carga mais leve que a que fora carregada na serra. Era então armazenado na casa da neve que em 1726 estava localizada nas varandas do Terreiro do Paço, onde era conservada com uma cobertura de “moínha” (fragmentos de palha). Estava pronta para distribuir à Casa Real, que tinha prioridade e a todos os comerciantes da capital.

 

 

Vendedor de gelados. Escola de pintura italiana, 1700.
Vendedor ambulante de gelados. Joshua Benoliel, 1908. Arquivo Fotográfico de Lisboa. Cota: JBN000177.
AML-AH, Alvará régio de 16 de Agosto de 1687. Legenda ”Manda El Rey nosso Senhor a todas as pessoas a que esta for mostrada dem ao contractador da neve que vem para esta corte toda a ajuda e boa passagem que for necessaria para ser conduzida e assim todas as cavalgaduras que pedir para este efeito e fazendose o contario se havera por mal servido. Em Lisboa a 16 de Agosto de 1687.”
Retrato de mulher a comer sorvete. Final do séc. XVII. Autor desconhecido.
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