“As redes que queimam o mar”. Ecologia Medieval na Lisboa de D. João I

AML, Livro dos Pregos, doc. 261

No dia 12 de Novembro de 1409, o rei D. João I elaborou uma ordenação, que se encontra na documentação preservada no Arquivo Municipal de Lisboa, sobre uma questão que normalmente associamos ao mundo contemporâneo. O monarca ordenou que os pescadores de Lisboa deixassem de usar redes e se limitassem a utilizar “linhas e anzóis”, com o objetivo de preservar as espécies piscícolas que então sofriam perdas avultadas devido ao uso das redes. 

“…em tempo antigo costumavam os pescadores dessa cidade pescar os pescados com linhas e anzois em tal guisa que pescavam muitos pescados a avondo e que agora desde pouco tempo, os pescadores dessa cidade costumaram a pescar os pescados no mar com redes as quais redes diz que queimam o mar, em tal guisa que os pescadores da linha não podem achar pescados no mar nem os matam salvo mui poucos e tudo per azo das ditas redes por a qual razão os pescadores da linha e anzois recebem por isso grande perda e dano…”

A pedido do concelho da cidade o rei considerou o problema relativo ao uso de redes nas artes piscatórias, e mandou chamar os representantes dos pescadores para com eles “razoar” sobre a matéria. O texto informa-nos que a introdução das redes havia ocorrido recentemente, e que os danos tinham sido consideráveis para os pescadores que mantinham o costume antigo de pescar com linha e anzol.

“…vistas per nos umas e outras razões por que achamos que é proveito de nosso povoo mandamos que os pescadores dessa cidade de redes nom pesquem com elas nem as lancem no mar pera pescar com elas os pescados que a essa cidade houverem de trazer e se quiserem pescar mandamos que pesquem com as ditas linhas e anzóis…”

A decisão do monarca foi muito clara e assertiva, proibindo totalmente o uso de redes de pesca, seguindo assim a vontade do concelho lisboeta. A opção de D. João I parece estar sobretudo relacionada com a proteção da estrutura económica que sustentava os pescadores de linha e anzol, mas não deixa de ser notável a sua preocupação e decisão no sentido de preservar as espécies piscícolas.

Infelizmente o documento não é claro sobre a área onde actuavam os pescadores de Lisboa, quer os que usavam redes, ou os de linha e anzol, no entanto é legítimo supor que se tratasse de pesca fluvial, no rio Tejo.

Manuel Fialho

Imagem:
https://arquivomunicipal3.cm-lisboa.pt/X-arqWeb/Result.aspx?id=8995&type=PCD

Bibliografia:
AML, Chancelaria Régia, Livro II de D. João I, doc. 21.
AML, Livro dos Pregos, doc. 261.

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