Junho

Descripção da festa nacional com que a sociedade constitucional da Salla do Risco do Arsenal da Marinha, celebrou o 1º anniversário do sempre memorável dia 15 de Setembro. Lisboa: Na Impressão de João Baptista Morando, 1821. - 49 p. ; 22 cm

Cota: MISC 27

Apesar de não nos querermos repetir, vemo-nos forçados a seguir a mesma fórmula que adoptámos o mês passado, e desta feita a leitura (prévia) recomendada será a do mês de Abril. Isto porque os dois documentos se referem, em ângulos diferentes, ao mesmo acontecimento. Ou seja, a celebração do 1º aniversário (da génese) do Liberalismo. Ambos, vocacionados para a comemoração dessas duas datas maiores (24 de Agosto e 15 de Setembro, que respectivamente nos remetem para a cidade do Porto e de Lisboa), apresentam-nos com detalhe a forma como se celebrou o 1º aniversário do Sempre Memorável dia 15 de Setembro de 1820.  

Mas atentemos a este documento. É João Baptista Morando (também ele filiado no mesmo ideário) quem, em 1821, leva ao prelo a descrição dessa festa nacional com que a Sociedade Constitucional soleniza o 1º aniversário, que terá encetado, já, a 24 de Agosto com “um jantar patriótico”; mas é à quadratura do jantar, que no léxico actual corresponde ao almoço, do dia 15 de Setembro (que corresponde ao encerramento da solenização), que teremos acesso. Local, Initiates file downloadSala do Risco1 do Initiates file downloadArsenal da Marinha2 objectivo (principal), manifestar o reconhecimento aos Concidadãos Militares, representados pela briosa Guarnição de Lisboa. Que, com as palavras que transcrevemos de imediato não deixa margem para equívoco, tão firme se tem sempre mantido em seus deveres, já como Defensores da Pátria3, repelindo e vencendo os inimigos externos (pág. 3).

Este documento, tal como o título antecipa, para além de elencar, formalmente, o faustoso banquete  que esteve desde as oito horas da manhã até às quatro da tarde a admitir indistintamente todas as pessoas (pág. 5) – também é bastante rico no que diz respeito a toda a moldura de preparativos, que começa, no dia 11 de Setembro, com a eleição do Presidente e Vice-Presidente (Manuel Fernandes Tomás e Agostinho José Freire, respectivamente) e 8 Directores que, por sua vez, julgaram  conveniente nomear 17 Comissões , donde saíram depois  (e com mais alguns Sócios) os Sub-Directores de Meza4. Se consultar as páginas 13-15, do documento em linha, tem acesso a todas as individualidades que compuseram essa Comissão magna, começamos pelo trio de proa desse fórum organizativo (ou usando as palavras apostas no documento “Comissão Preparatória”) que coube aos Ilustríssimos Senhores José Xavier Mouzinho da Silveira, João Loureiro5 e Eusébio Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado (este último terá coadjuvado, também, a supervisão de 3 comissões) e segue, de imediato, para as 17 comissões, com a identificação dos respectivos supervisores, que compreenderam desde a responsabilidade da incumbência da Armação da Sala e Quadro Alegórico o «Génio da Nação» (o significado da Alegoria consta nas páginas 5 e 6) de Domingos Sequeira6 (artista, com quem já temos vindo a contactar ao longo destes meses); passando pela Inspecção da Cozinha e Copa até às Salvas dos Navios; Atribuição dos Bilhetes por sorte…; ou Poesias que se distribuíram, culminando com os nomes dos Historiadores da Festa em geral – até à identificação dos Subdirectores de meza, fica-se também a saber quais foram os Corpos e respectivos Quarteis presentes, por exemplo, na Cavalaria, os Regimentos Números 1, 4 e 10 e o Batalhão de Artífices Engenheiros.        

À medida que vamos lendo o documento, tal é a profusão de pormenor, sentimo-nos no interior da Sala do Risco – estamos entre os 400 convidados daquele almoço magnânimo, e somos tentados a olhar para a cabeceira da mesa, onde figuram o Presidente e o Vice-Presidente, os Excelentíssimos Senhores Manoel Fernandes Thomaz e Agostinho José Freire, respectivamente, e num ângulo, imediato, de 45º temos acesso ao interior e exterior da mesa cruzando então o olhar com os 8 directores (pág. 4), que é, depois, atraído para os contíguos vasos de porcelana ornados de flores. Das 4h (hora de fecho do processo de admissão, que começou, saliente-se, às 8h da manha) da tarde às 8h da noite, 40 trinchantes estiveram de prontidão aos comensais, que ao som de salvas de artilharia de mais de 10 navios surtos no Tejo souberam que tinha sido dado “o sinal de partida”. Pelo meio os discursos do Presidente e Vice-Presidente (págs.20-23 e 24-26, respectivamente) e múltiplos votos de «Saúde»: À Soberania da Nação; ao Sábio Congresso Nacionalàs Cortes de Hespanha, entre outros, (págs. 26-27) acompanhados pelos muitos licores e vinhos de todo o país. A «Saúde» inaugural foi proposta pelo Presidente, e a resposta pronta é dada pelos copos erguidos com vinho seco da Madeira, que deu lugar ao romper do Hyno Constitucional por dois coros de Música (pág.9). E à parte a óbvia grandeza das quantidades, condicente com o elevado número de convidados (onde mais de sete dezenas de convivas corresponde só aos três Officiaes de cada hum dos 24 Corpos Militares), é precisamente a narrativa simbólica (que actualmente talvez cunhássemos, conceptualmente falando, de semiúrgica, dado que mais do que símbolos serão «signos7») que merece destaque. Para isso contribuem inúmeros símbolos (signos), a arte, sob diversas formas; os discursos de gáudio patriótico; a ornamentação requintada; a sonoridade: salvas de artilharia e música; a poesia8, com sonetos diversos e muitas odes à Liberdade, ao dia 24 de Agosto e 15 de Setembro, aos rios Douro e Tejo, à Lysia (págs. 28-49); mas para ficar completa essa nomenclatura da solenização (em tudo idêntica à da Monarquia) falta a beneficência, que também não foi esquecida pelos liberais – erão nove horas da manhã, quando começou a Sociedade a manifestar a sua louvável beneficência já praticada no Dia igualmente grande de 24 de Agosto de distribuir por bilhetes a famílias indigentes três mil e quatrocentas rações ou jantares (págs. 4-5).

Ficámos a saber, também, que os destinatários foram os sentenciados dos trabalhos públicos, tendo os liberais angariado 86$400 réis, que logo alguns dos Sócios foram distribuir às prisões (pág.11). Mas como a beneficência é uma virtude que nunca é demais, não pararam por aqui os nobres actos de Patriotismo, pois que os sócios da Sociedade Constitucional, face ao incêndio que se abateu sob o Quartel da quinta Companhia, abrirão na manhã seguinte huma subscripção que em hora e meia produziu trezentos e oitenta mil e oitocentos réis para indeminizar aquelles aflitos Soldados das perdas que sofrerão. (…). Este último e generoso acto de beneficência foi emprevisto, pois que também o foi o desastroso incidente que o motivou. Mas apras-nos com a maior satisfacção inserillo  nesta descripção para que o Público veja que existe em todos os homens livres hum summo prazer de praticar semelhantes actos, e todos os mais, que possão recordar aos homens o mais nobre de seus deveres, que he extender a mão generosa a seus semelhante quando sofrem  (págs. 11-12). E aquando do texto de Introdução do projecto, redigido em dez. 2019 – jan. 2020, ao frisar, a 200 anos de distância, a actualidade de pilares que ainda nos são (absolutamente) vitais, estávamos longe de adivinhar por aquilo que íamos passar, daí que as palavras atinentes à beneficência, acima, tenham adquirido redobrada actualidade (e se nos for permitido – a título estritamente pessoal, saliente-se – desafio-vos a fazer (mais uma) prova de cidadania, convidando os prestimosos leitores a olharem atentamente em redor e a filiarem-se em alguma forma de ajuda ao próximo, como quem assume o papel de bombeiro nesta pandemia que não tem labaredas, mas tem, igualmente, aflitos. Quanto ao critério deixamos à escolha de cada um!).        

 

 

Para consultar o documento clique em:Initiates file downloadMISC 27 (pp.1-27) e Initiates file downloadMISC 27 (pp. 28-49).

  

 

1. Que poderá conhecer através deste postal, refª PTAMLSBBPI000647, não circulado, ant. a 1911, de autor desconhecido e Edição de F. A. Martins. Talvez importe também saber que foi nesta que, cerca de um século depois, teve lugar o famoso julgamento dos revoltosos (do golpe de 18 de Abril de 1925).
2. E ainda que a mais de um século de distância, mas ainda achamos conveniente convocar esta perspectiva captada pela lente de Eduardo Portugal - PTAMLSBCMLSBAHPCSP004EDP001870.
3. Evidente a alusão quer aos mártires da Pátria, encabeçada por Gomes Freire, quer à política interna dessa época que titubeava entre os partidos francês e inglês. Para melhor compreensão deste proto-capítulo, por assim dizer, do Liberalismo sugere-se a leitura de: RELVAS, Eunice (2019). “A Lisboa de Gomes Freire (1781-1817)”, in Revista Militar n.º 2605/2506 (número temático), pp. 339-358. Disponível no endereço: Opens external link in new windowhttps://www.revistamilitar.pt/artigo/1416
4. Que, e como é o caso de Francisco de Lemos Bitancourt [sic], virá a ser eleitor da Divisão de Setúbal. 
5. Que a ser João Bernardo Rocha Loureiro virá a ser eleitor pela Divisão da Guarda. E a confiar que Eusébio Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado corresponda a António Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado que é mencionado no Diário das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza (ano de 1822, pág. 732, e que poderá ser consultado neste endereço: Opens external link in new windowhttp://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821), este virá, então, a ser eleito como Substituto pela província de Angola, mas o facto de residir à data em Lisboa faz com que seja aceite como eleitor efectivo nas Cortes. Estes fragmentos podem ser subsidiários a uma visão mais ampla que queira ir ao encontro do tabuleiro social liberalista.                
6. Que se vê confrontado a outorgar na arte a subserviência ao(s) titubeantes poder(es) instituído(s) nos alvores de Oitocentos,  da glorificação napoleónica [Junot protegendo Lisboa, 1808], passando pela salvífica Inglaterra [a Baixela Wellington, a que já tivemos oportunidade de aludir na FH de Abril], até alinhar com as orientações ideológicas esclarecidas do país - pois afinal serão várias as obras (constitucionais) que saem da mão do artista.
7. Recorrendo àquilo que Jean Baudrillard nos tem ensinado. 
8.Com contributos de inúmeras personalidades, donde podemos destacar António de Feliciano Castilho (1800-1875) que mereceu a Thomaz Ribeiro (1877: 17) as seguintes palavras, referindo-se ao período liberal conturbado que Castilho viveu, “eram compressões e atentados de mais para que o moço poeta deixasse de ser liberal, mas liberal lidimo, inimigo jurado de todas as tyranias, até das da liberdade.” In, RIBEIRO, Thomaz (1877) - Elogio historico de António Feliciano de Castilho Visconde de Castilho lido na sessão publica da Academia Real das Sciencias de Lisboa em 15 de Maio de 1877. Lisboa: Typografia da Academia.        

 

 

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