Terreiro do Paço
O escravo foi uma figura incontornável em Lisboa entre os séculos XV e XIX, e o seu desempenho foi fundamental no pulsar urbano desses tempos.
O africano de origens étnicas, geográficas, religiosas e antropológicas diversas dominou o quadro da escravidão, que também se compunha segundo a linguagem da época, de mouros, índios, chinas, pardos e mestiços, provenientes dos quatro cantos do mundo.
O fenómeno da escravatura em Lisboa é anterior ao século XV, mas foi a expansão marítima e a articulação ao comércio da costa ocidental africana que gerou a sua abundância na cidade.
Capturados no interior do continente africano, eram vendidos em feiras (pumbos) e conduzidos e reunidos em vários pontos da costa ocidental africana e nas ilhas atlânticas de Cabo Verde e S. Tomé. Daí partiam para Lisboa, em grandes contingentes, numa travessia que para muitos foi fatal.
Tão apertados e unidos uns com os outros, que não somente lhes falta o desafogo necessário para a vida, cuja conservação é comum e natural para todos, ou sejam livres ou escravos: mas do aperto com que vêm sucede maltratarem-se de maneira que, morrendo muitos, chegam impiamente lastimosos os que ficam vivos.
Chancelaria de D. Pedro II. Lei de 18 de março de 1684, IANTT
Rota dos escravos. Infografia GEO
A CHEGADA DOS PRIMEIROS ESCRAVOS NEGROS (SÉC. XV - XVI [1514])
Em 1441, chegaram à Ribeira de Lisboa os primeiros cativos africanos, vindos de terras a sul do cabo Bojador. Tinha assim início um longo processo de migrações forçadas que os portugueses incrementaram a uma escala intercontinental entre a África, a Europa e a América.
Vi chegar um navio carregado de especiarias e que, em baixo, no porão, vinha cheio de Negros mouros, homens, mulheres, com os filhos, jovens rapazes e raparigas, de todos os tipos, em número de trezentos.
Lisboa em 1514. Taccoen Van Zillebeke
Vista do Terreiro do Paço no séc. XVII. Dirk Stoop. Museu de Lisboa
O TERREIRO DO PAÇO E O PAÇO DA RIBEIRA (SÉC. XVI - XVII)
Desde a época dos Descobrimentos que o Terreiro do Paço foi o centro do poder político e económico da capital. Em frente ao Paço da Ribeira, o bulício quotidiano da grande cidade era compassado por negócios, trabalho e lazer, com permanente participação de negros.
Para além dos trabalhos domésticos, os seus dotes para a música e dança e na animação de festas foram sempre muito apreciados nos palácios reais e da nobreza; também em atos solenes e de diversão; em igrejas e procissões.
Muito comuns no século XVI os “escravos charamelas” tocavam instrumentos musicais de sopro nas principais festas e cerimónias.
[…] os lisbonenses, depois de terem começado a traficar nas Índias, assenhoreando-se daqueles povos, fizeram crescer esta cidade de infinita gente, mas gente toda negra.
Da Grandeza e Magnificência da Cidade de Lisboa. Gianbattista Confalonieri, fl. 3
Músicos Negros. Pormenor da pintura a óleo “Encontro de Santa
Úrsula e do Princípe Conan” do Retábulo de Santa Auta, c. de
1520-25. Museu Nacional de Arte Antiga
PROCISSÃO A N. SRA. DA ATALAIA, MONTIJO (SÉC. XVIII - XIX)
O rio Tejo não figurava para o africano apenas a escravidão e o trabalho. Desde há muito que também no rio se trilhavam os caminhos da Festa e dos Círios (promessa antiga), em devoção ao culto popular de N. Sra. da Atalaia, na margem sul do Tejo.
Antecedidos por animados peditórios com exibição de cantares e das danças lundum e fofa, os círios dos Pretos Crêolos de Lisboa, dos Pretos do Bairro Alto e dos Pretos de Alfama, deslocavam-se desde o séc. XVIII, em setembro, em barcos enfeitados de flores e animados de música, até N. Sra. da Atalaia.
[…] o tambor e a rabeca chamam a atenção dos moradores, que acorrem às janelas e varandas para gozar o espetáculo do lascivo e mesmo frenético Landum.
APDG, Sketches of Portugueses Life, Manners, Costumes and Character, p. 292