Santo António de Lisboa: <em>o santo de todo o mundo.

Fotografia do Museu de Lisboa-Santo António/EGEAC
Fotografia do Museu de Lisboa-Santo António/EGEAC

Celebra-se no dia 15 de Agosto, o dia do nascimento de Santo António, provavelmente, o santo mais querido dos portugueses.

Nascido1 nesta cidade bordejada pelas águas do Tejo, Santo António cedo respondeu ao chamamento divino, e transpôs, como tantos portugueses, os limites traçados pela ocidental linha do horizonte. António de Lisboa, quis dar-se aos outros e, para tal, partiu em peregrinação pelo mundo2.

Assim, e na senda dos Mártires de Marrocos3, António deixa Lisboa em 1220 com a intenção de se juntar, no martírio, a esses irmãos franciscanos. Porém, adoece à chegada a Marrocos e poucos meses depois é obrigado a regressar à pátria, o que nunca mais aconteceria, pois, fortes tempestades durante a viagem acabariam por conduzir o barco em que viajava para as costas da Sicília, aonde chega em 1221.

Daí, António peregrinou por terras de França e de Itália, pregando e levando uma vida ao serviço dos mais pobres e humildes. Será, aliás, esta sua proximidade das pessoas comuns e os seus dons como orador, que lhe trará, ainda em vida, grande popularidade e estima por parte de todas as gentes por onde passava. É referido, na legenda Prima, que "vinham multidões quase inumeráveis de ambos os sexos das cidades, castelos e aldeias à volta de Pádua, todos sequiosos de ouvir com a maior devoção a palavra da vida. Estavam presentes velhos, acorriam jovens, homens e mulheres, de todas as idades e condições, o próprio Bispo de Pádua e o seu clero, chegando a reunir-se, para escutar o Santo, perto de 30 mil homens, todos no mais respeitoso silêncio, de ânimo suspenso e de orelha virada para aquele que falava. Os negociantes fechavam o comércio e só o reabriam após terminada a pregação"4.

Dotado de uma vasta e profunda cultura clássica e teológica, Santo António era um grande conhecedor da oratória e da retórica medievais, às quais juntava os dotes extraordinários da sua voz, eloquência e presença carismática. Por isso, foi nomeado, por São Francisco, pregador e, de seguida, Leitor/Professor de Teologia junto dos seus confrades franciscanos, de entre os quais António afirmava ser "o mínimo de todos vós, vosso irmão e servo"5

Da sua obra e dos seus milagres não trataremos aqui, pois eles são sobejamente conhecidos de todos os portugueses, e não só. Santo António de Lisboa, de França ou de Pádua, um dos santos mais conhecido e celebrado no seio da tradição popular, é amado e cultuado nos quatro cantos da terra, manifestando-se assim, nessa universalidade tão portuguesa, verdadeiramente "il Santo di tutto il mondo", conforme afirmou o Papa Leão XIII em 1895.

Santo António morre em Pádua em 13 de Junho de 1231 e foi canonizado em Spoleto, pelo Papa Gregório IX, em 30 de Maio de 1232. Em 16 de Janeiro de 1946, na Carta Apostólica Exulta, Lusitania Felix, de Pio XII, é consagrado como Doutor da Igreja Universal, com o título de Doutor Evangélico.

Em Portugal o seu culto inicia-se quase logo após a sua morte e Santo António passa a acompanhar, mais como um amigo e confidente e menos como teólogo e Doutor da Igreja, o quotidiano dos portugueses. A sua imagem está presente em quase todos os lares de Portugal e a sua intercessão é solicitada para as pequenas e grandes questões da vida de todos os dias: a ele se roga pelos objectos perdidos, a ele recorrerem os namorados, a ele se pede protecção pelas crianças, a ele se reza pelas causas difíceis.

Por outro lado, Santo António sempre teve o patrocínio real e foi considerado, ainda que não oficialmente, padroeiro de Portugal. Efectivamente, e tal era a sua popularidade entre os portugueses, que Santo António foi "incorporado no exército português em 1623 por Filipe III" e feito "assentar praça no Regimento da Infantaria de Lagos" e, quinze anos depois, por ter "posto em debandada uma patrulha espanhola durante as guerras da Restauração", foi "promovido de soldado a capitão deixando de receber pré para passar a receber soldo". Por volta de "1770, no Brasil, o seu nome precedia o do comandante do Regimento do Marquês de Minas, recebendo a exorbitante quantia de dez mil réis". "D. João VI promoveu-o a tenente-coronel de Infantaria" e "D. Maria I nomeia-o tenente-general, em 1780" e, "no Brasil, acabaria por chegar a General, tendo passado, em 1904, a reserva".6

O culto antoniano, celebrado de modo especial na Igreja de Santo António à Sé, situada em Lisboa, no largo com o nome do santo português, teve início em 1249 com a erecção em Portugal do primeiro altar em sua honra, no Convento de Santa Cruz de Coimbra.

Em Lisboa, a igreja-casa de Santo António, propriedade desde sempre da Câmara Municipal de Lisboa, ficava localizada no edifício aonde se celebravam os actos do Concelho e onde o Senado da cidade instalou a caixa-forte para guardar os cofres com as reservas da Câmara e da Fazenda Pública, entre 1339 e 1741.

Efectivamente e tal como nos descreve Damião de Góis, na sua Descrição da Cidade de Lisboa, de 1554, "a capela de Santo António, que chamam de Pádua" é "obra de construção admirável e maravilhosa elegância, e fora outrora moradia dos pais do Santo, onde ele também nasceu e se criou". "Sobre a capela está a casa municipal ou cúria urbana, de cuja constituição e regime poderíamos contar muitas coisas notáveis, se isso não fosse alheio ao nosso propósito"7.

Inicialmente, constituída por uma pequena capela, erguida no lugar onde teria sido o quarto onde Santo António nascera, foi construída, nos inícios do século XV e por iniciativa camarária8, a igreja primitiva9, que se situava entre a porta principal da Sé e o Arco do Ferro. A igreja foi sofrendo melhoramentos nos finais do século XV e inícios do século XVI, tendo sido o seu corpo e tecto muito enriquecidos durante o reinado de D. João V.

Com o terramoto de 1755, a igreja foi reduzida a escombros tendo escapado "milagrosamente a capela-mor, com a imagem do santo ainda hoje lá venerada, e o lugar onde ele nasceu, a que damos o nome de cripta, colocada sob o altar da capela-mor. O povo de Lisboa, a régia munificência e a iniciativa do Senado juntaram-se para levantar das cinzas a nova igreja-casa de Santo António, delineada pelo arquitecto major Mateus Vicente de Oliveira". A sua reconstrução começou em Agosto de 1757 e "nela foi celebrada a primeira missa no dia 15 de Maio de 1787". O culto a Santo António, que "nunca foi interrompido durante estes trinta anos", aí continuaria a até aos nossos dias.10

A igreja e seus anexos, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, foram entregues, em 1926, ao Patriarcado, que, em 1931, a entregou à Ordem Franciscana, que zela, desde então, pelo culto aí celebrado. A cidade de Lisboa, que detinha e detém o padroado da igreja, tem feito, com a verba que sai do seu orçamento, as obras necessárias à sua conservação.

Em 1962, a Câmara Municipal criou o Museu de Santo António, que sofreu, em 2013, uma profunda requalificação e ampliação, após a qual foi inaugurado em 2014 como o novo Museu de Lisboa-Santo António, que hoje está patente ao público.

Em 2018, começará a ser planeada a criação do Centro de Estudos e de Investigação de Santo António, tutelado pela EGEAC, que tem como missão a divulgação e o estudo da obra antoniana, contemplando nas suas investigações a vasta bibliografia activa e passiva antonianas. Sob a chancela deste centro de investigação têm sido publicadas diversas obras sobre Santo António, como por exemplo, a obra do ilustre investigador antoniano, o Padre Henrique Rema, que serviu de base ao texto que ora apresentamos.

Santo António, padroeiro secundário de Portugal11, depois de Nossa Senhora da Conceição, e, da cidade de Lisboa12, lugar que ocupa com S. Vicente, é celebrado a 13 de Junho, no dia do aniversário da sua morte, e no dia 15 de Agosto, data que assinala o seu nascimento.

Neste dia 13, feriado municipal em Lisboa13, ocorre uma grande procissão em honra de Santo António, durante a qual o Santo sai à rua e percorre as várias igrejas e ruas de Alfama, acompanhado por um cortejo composto por muitas centenas de pessoas, oriundas de vários lugares de Portugal e de diversos países do mundo, bem como de várias ordens militares e religiosas, que, manifestando a sua fé e devoção, tornam muito viva e alegre esta celebração lisboeta.

No dia 15 de Agosto, a Ordem Franciscana e a Câmara Municipal de Lisboa, numa organização do Museu de Lisboa-Santo António, cuja visita à sua exposição permanente é absolutamente imperativa, festejam de novo o santo português, marcando esta data com diversas actividades culturais e com a celebração, na sua Igreja, de uma missa solene.

Sofia Vasconcelos Nunes

 

 

1. 1195 é a data estabelecida tradicionalmente para o ano do nascimento de Santo António, cujo nome de baptismo foi o de Fernando (Martins de Bulhões). No entanto, entre a maioria dos estudiosos antonianos, a data real parece situar-se entre os anos de 1191/95. Na verdade, se a data da sua morte (1231) não oferece qualquer dúvida, pois antecedeu em menos de um ano a data da sua canonização, celebrada na catedral de Espoleto pelo Papa Gregório IX, em 30 de Maio de 1232, o ano exacto do seu nascimento permanece, desde sempre, envolto em alguma incerteza. Efectivamente, e de acordo com a fonte mais antiga e mais próxima de Santo António, a legenda Prima ou Assídua, escrita por volta de 1232 pelo "anónimo minorita italiano" (Cf. REMA, Coletânea de Estudos Antonianos, p. 98), apenas se consegue testemunhar que Santo António "tinha quinze anos, mais ou menos" quando deixou a casa dos pais, tendo ingressado posteriormente (talvez já com 18 ou vinte anos) como cónego regrante, em São Vicente de Fora, aonde permaneceu durante dois anos. Outras fontes posteriores referem a idade de Santo António, à data da sua morte, entre os 36 e os 40 anos de idade. Para maior esclarecimento acerca desta questão sugerimos a consulta da obra citada do padre franciscano, Henrique Pinto Rema, Coletânea de Estudos Antonianos. Centro de Estudos e Investigação de Santo António; EGEAC, Museu de Lisboa-Santo António, 2019.
2. Tal como refere Vieira, "e se António era a luz do mundo, como não haveria de sair da pátria? Saiu como luz do mundo e saiu como português. Por isso nos deu Deus tão pouca terra para nascimento, e tantas terras para sepultura. Para nascer, Portugal; para morrer, o mundo". (Santo Antônio luz do mundo. Nove sermões.
Transcrição, Introdução e Notas de Frei Clarêncio Neotti. Petrópolis: Vozes, 1997.
3. Em 16 de Janeiro de 1220, cinco frades menores italianos foram martirizados em Marrocos, tendo sido trazidos os seus restos mortais, apenas uns meses depois, para o convento de Santa Cruz de Coimbra, aonde se encontrava Santo António.
4. REMA, pp 324.
5. REMA, pp. 161-162.
6. REMA, pp. 333, 694-695.
7. GÓIS, Damião de, Descrição da Cidade de Lisboa, pp. 40-41.
8. Efectivamente, na bula Sedes Apostolica Licet, proclamada em 24 de Janeiro de 1433, o Papa Eugénio IV, declara a Igreja de Santo António isenta da jurisdição do Ordinário de Lisboa, concedendo o privilégio, a pedido da Câmara e da cidade Lisboa que a tinha construído. (REMA, p. 88).
9. Nesta igreja é instituída, em contrato celebrado com a Câmara de Lisboa em 1471, pela Infanta Dona Isabel, Duquesa de Borgonha, uma capela de Santo Antoninho, com celebração de missa diária. A esta capela outras lhe seguiram, as quais foram sempre fonte de rendimento gerido pela edilidade. (Op. cit.)
10. REMA, 88-93.
11. Em 1934, o papa Pio XII, declarou Santo António, e depois de Nossa Senhora da Conceição, o segundo padroeiro de Portugal.
12. Santo António esteve ligado à cidade de Lisboa, desde muito cedo, e há registos de festas populares e bailes organizadas sob o seu patrocínio, desde 1318.
13. Em 1953, o dia 13 de Junho é declarado feriado municipal em Lisboa, por despacho no DG, 119, 2ª série, de 6 de Junho, e Santo António passa a ocupar oficialmente, com São Vicente que é o padroeiro do Patriarcado de Lisboa, o lugar de padroeiro da cidade.

Bibliografia:

GÓIS, Damião. de, Descrição da Cidade de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 1988.
LIMA, J. da Costa, Santo António de Portugal na Lenda, na Arte e no Valor do seu Espírito. Separata do nº 53 da Revista Municipal. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1952.
PINTO, Américo Cortez, O Santo de Lisboa e o Infante de Sagres. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1960.
I e II Seminário. O Franciscanismo em Portugal. Actas. Lisboa: Fundação Oriente, 1996.
REMA, Henrique Pinto, Coletânea de Estudos Antonianos. Centro de Estudos e Investigação de Santo António; EGEAC, Museu de Lisboa-Santo António, 2019.
VIEIRA, António, Santo Antônio luz do mundo. Nove sermões. Transcrição, Introdução e Notas de Frei Clarêncio Neotti. Petrópolis: Vozes, 1997.

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