Cabeleireiros e Mestres de Cabeleiras em Lisboa nos séculos XVII/XVIII

1. Um inglês em Paris. 1770.
2. Rei D. João V. (1689-1750). Museu Nacional do Prado, Madrid.
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Cabeleireiros e mestres de fazer cabeleiras foram artesãos e artistas que com a sua arte de grande prestígio e mestria agradaram a várias gerações de habitantes da Lisboa barroca. Dedicaram-se à moda e aos cuidados estéticos dos mais poderosos, pois a moda era um privilégio dos ricos. Razão pela qual desde o final do século XVII os cabeleireiros gravitavam em torno destes - nobreza, magistrados e eclesiásticos de elevados cargos, militares, comerciantes e mercadores ricos -assegurando-lhes os elaborados penteados tanto em voga no século XVIII, e a manufatura e extremados cuidados de cabeleiras e perucas.

Constatamos que a presença crescente de cabeleireiros em Lisboa, portugueses e estrangeiros, acompanhou a evolução da moda dos penteados exuberantes nas senhoras e a vulgarização das cabeleiras na sociedade. Entre os estrangeiros, os mais numerosos eram os franceses e os italianos, como o florentino António Vilente Lotte. Como curiosidade, em 1717 o mestre genovês António Maria Oderico possuía uma loja de cabeleiras na Baixa de Lisboa, em frente ao convento do Espírito Santo, e a maior parte das lojas de cabeleireiro que identificámos estavam instaladas na proximidade dos centros de poder político e económico, onde a sua clientela residia ou circulava - no Bairro Alto, na Sé e em S. Cristóvão.

Ostentavam às suas portas, onde se ensinava a arte a aprendizes, os letreiros que indicavam a atividade. A sua importância numérica foi tal que no início do séc. XVIII instiuíram uma irmandade evocativa de S. Luís, rei de França na igreja do convento da Boa-Hora (protegendo-os na doença e definindo as regras da profissão). Se em França Luís XVI (1777) concedeu 600 alvarás de cabeleireiro, em Lisboa (1788) temos notícia de terem sido examinados 160 novos cabeleireiros.

Ao limitarmos a observação à moda da cabeleira “cabellos postiços accommodados como os naturaes, e cosidos em huma rede, que se aperta na cabeça” (Rafael Bluteau) estas eram fabricadas de crina de cavalo e pelo de cabra e as mais caras eram manufaturadas com cabelos humanos (parte dele oriundo de doentes dos hospitais). Passaram a fazer parte da indumentária dos lisboetas que gostavam delas exuberantes e encaracoladas e notamos que os seus principais clientes eram sobretudo homens, que nas melenas ostentavam um importante símbolo de estrato social.

E como surgiu ou ressurgiu esta tendência que se tornou moda? em França, em meados do séc. XVII, com Luís XIV, o rei-sol. E rapidamente alastrou à Europa, estando já em pleno em Lisboa no ano de 1672. Nesta data o Senado queixava-se ao regente, o futuro Rei D. Pedro II também ele grande adepto de cabeleiras, para que as proibisse, pois o seu uso era responsável por grandes males nos costumes e na saúde. Tal pedido não vingou e o seu filho, o rei D. João V, seria mesmo o maior propulsor do gosto exacerbado da cultura francesa na nossa corte, e de onde provinham as cabeleiras que compunham a sua coleção.

Nesta época os pós perfumados ou polvilhos de cheiro praticamente subsitituíram a água na higiene pessoal (que só terá começado a reintegrar os hábitos pessoais de higiene perto de metade de Setecentos) e entrou na toilete diária desses grupos sociais. Eram produzidos com musgo, rosas e outros elementos que eram misturados com âmbar e almíscar. Os pós brancos com goma de trigo empoavam as cabeleiras, daí a moda das cabeleiras brancas.

Mas havia-as de todas as cores e feitios, altas e baixas, com tranças ou canudos, por vezes exageradamente repletas de fitas e lacinhos, fios de ouro e prata e flores conforme o gosto do freguês e a ocasião. Mas todas requeriam cuidados especiais de higiene e manutenção pois as constantes pragas de piolhos também lhes não davam tréguas. Fosse no cabeleireiro, ou em casa eram sempre empoadas com a tal farinha perfumada e tratadas com pomadas e óleos. No final do dia, ou em viagem, o imprescindível acessório era acomodado em objetos especialmente fabricados para o efeito: o pau-de-cabeleira, caixas em pinho e bolsas de cabeleira.

A moda chegou até aos alvores de Oitocentos embora com alterações de tamanho e de estilo – armadas com caracóis, encanudados, com topetes, bandós ou rabo-de-cavalo preso com fita de seda preta.

Mas a moda capilar simplificou-se e procurou maior naturalidade obrigando os cabeleireiros a adaptar-se e os mestres de cabeleiras a gradualmente desaparecerem. A tal ponto que chegando o ano de 1826 estala uma contenda entre cabeleireiros (já com pouca clientela) e barbeiros arrogando-se os primeiros como os únicos autorizados a fazer o topete à marrafa estilo que entrou na sociedade lisboeta através do famoso coreógrafo dos teatros reais Antonio Maraffi, ou Marrafa, cujo exótico penteado encantou os lisboetas de então levando homens e mulheres a ostentar exageradas franjas à marrafa.

Delminda Rijo (GEO - Núcleo de Demografia Histórica)

 

 

BIBLIOGRAFIA

CÂNCIO, F. (1957). Lisboa Tempos Idos, vol. I. Lisboa. p. 97-103.

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