O Boticário
O antecessor do actual farmacêutico é o Boticário, o que tem botica, um género de depósito/loja de comércio, “vende drogas medicinais e faz mezinhas (…) cozinheiros dos médicos; cozem e temperam quando lhes ordenam (…)”. Ofício de corporação medieval de necessidade básica, a quem competia preparar manualmente as receitas que os médicos lhes faziam chegar, para a cura dos pacientes. Profissão mecânica até ao séc. XIX, não gozava de prestígio e estava sujeita a uma aprendizagem oficinal, com um mestre, com exame público para obtenção de carta régia para o exercício (Regimento do físico-mor do reino de 1521).
Deveriam possuir os livros convenientes ao seu ofício, preparar os medicamentos na presença do médico, respeitando os pesos/medidas e indicando os preços dos produtos (Regimento dos boticários reformado em 1572). Há ideia de ser uma área masculina, mas dá-se conta da existência de filhas ou viúvas de boticários que se tornaram proprietárias, para além da existência de algumas freiras boticárias conventuais.
A terapêutica em Setecentos era pobre no uso de medicamentos, baseava-se na utilização de sangrias, purgantes, clisteres, xaropes, emplastros e mezinhas na cura dos doentes. Utilizavam sementes, plantas e drogas na composição das suas mezinhas como aloés, aljôfar, âmbar, bálsamo, canafístula, canela, cânfora, erva lombrigueira, goma arábica, lápis lazúli, ópio entre muitas outras, que se trituravam e ferviam com rigor nas quantidades. Os compostos de origem química como o antimónio, chumbo, mercúrio, enxofre, entre outros, vão paulatinamente a partir do séc. XVIII constituir parte essencial do arsenal terapêutico e complementam os tratamentos com as tradicionais substâncias de origem animal, vegetal e mineral.
Existia uma tendência para os boticários adquirirem substâncias já transformadas aos droguistas, evitando operações laboratoriais, Estes últimos, mercadores de drogas de botica, vendiam drogas e medicamentos vindos do estrangeiro e conseguiam ascender socialmente. Os boticários com alto estatuto estavam ligados à Corte, a instituições de assistência, ao Hospital Militar do Castelo, Hospital Real de Todos os Santos, ao Santo Ofício, contrastavam com os boticários laicos, de origens mais humildes. As boticas de ordens religiosas, também forneciam as populações, concorrendo com as boticas laicas, mas a exuberância da farmácia conventual contrastava com as limitações da farmácia laica. Para além de medicamentos tradicionais, também cozinhavam e vendiam remédios secretos, como as pedras cordiais dos jesuítas, no tratamento de febres ardente, pestes, palpitações.
Identificámos na documentação dos séculos XVII-XVIII, dezenas de boticários mais concentrados nas freguesias de Stª Catarina, Mercês, Encarnação, Stª Justa, Sé como também em Santiago e Stª Engrácia. Percebe-se a preferência em áreas comercialmente pujantes, eixos de grande circulação viária, especialmente nas imediações de equipamentos eclesiásticos, de assistência, hospitalar, junto de igrejas, conventos, mosteiros. O boticário hoje encontra-se representado na toponímia em Lisboa “Rua Tomé Pires – Boticário e 1º embaixador Português na China, séc. XVI”.
Curiosidades:
- Alguns ditados: “para grandes males grandes remédios”; “com malvas e água fria faz-se um boticário num dia”.
- Curar uma dor de cabeça e de garganta: Séc. XVII/XVIII: mistura de chá verde, enxofre, pedra hume, flores de hipericão, alecrim, salva, arruda, poejos, vinho branco, água de erva moura e mel rosado, tudo desfeito num almofariz; Séc. XIX: pastilhas de gengibre elaboradas previamente; Séc. XX: um comprimido/aspirina.
Fátima Aragonez (GEO - Núcleo de Demografia Histórica)
BIBLIOGRAFIA:
BLUTEAU, R. (1712-1728) Vocabulário Português e Latino: Coimbra: Colégio das Artes
SANTANA, F. & SUCENA, E. (1994) Dicionário da História de Lisboa (p.182-185)