A iluminação noturna de Lisboa – da Idade Média à Atualidade

Desde a Idade Média que o combate à criminalidade motivou reis e governantes a procurarem soluções de iluminação artificial para as noites de escuridão. Em 1383, o rei D. Fernando decretou que em Lisboa, nas ruas de passagem da ronda dos quadrilheiros, os respetivos moradores deveriam mantê-las toda a noite iluminadas com candeias.

«[…] ordenareis que os ditos homens bons das ditas freguesias fizessem cada uns em sua freguesia, em as ruas que vissem que cumpria ter candeias acesas por toda a noite com guisa que as ruas fossem alumiadas, porque por isto os que mal fazem de noite se cavidariam de andar pela cidade” [Carta régia de 12 de Setembro de 1383 do rei D. Fernando determinando o policiamento da cidade].

Mudando as circunstâncias políticas e sociais, a medida foi relegada ao esquecimento. Passaram os séculos e a escuridão noturna persistiu no quotidiano das populações, apenas alumiado pelas velas e círios dos muitos oratórios e cruzeiros espalhados pela cidade, e pelas tochas e lanternas dos que se atreviam a sair à noite.

Em 1689 o rei D. Pedro II dedicou alguma atenção à iluminação artificial noturna, mas prevendo-se a elevada tributação que iria recair sobre o povo de Lisboa,  imprescindível para o fabrico de lampiões e para a aquisição de azeite, também acabou por cair no esquecimento.

Em meados de Setecentos a iluminação noturna nas principais cidades europeias  era já uma realidade, alumiando-se Paris a partir de 1765. Só passados quinze anos, e por especial empenho de Pina Manique, intendente geral da polícia, Lisboa seguiria, finalmente, o exemplo quando no dia 17 de Dezembro de 1780, por ocasião do aniversário da rainha D. Maria I, as principais ruas da capital foram iluminadas com 774 candeeiros de azeite – no Rossio, rua Augusta, praça dos Leilões, rua Direita do Arsenal, praça do Sodré, Ribeira Nova, praça de S.Paulo, rua Direita dos Remolares e rua Nova del Rei.

O sistema de iluminação era operado por um grupo de cem homens que apenas acendiam os lampiões nas 17 noites mais escuras do mês. O azeite provinha da contribuição mensal dos moradores, que consistia num quartilho de azeite doce de qualidade inferior, e também do produto das oliveiras que para esse efeito foram plantadas nas bermas da estrada real e em caminhos do termo de Lisboa (img. 1).

Imagem 1 - Candeeiro a azeite na ponte de Alcântara. 1826. Revista Olisipo, nº 18, abril de 1942. (Desenho aguarelado de Gonzaga Pereira. Original no Museu de Lisboa

Este sistema duraria pouco mais de uma década. Em 1792 os custos elevados, os impostos, e os constantes atos de vandalismo levaram à desativação de quase um milhar de candeeiros, voltando Lisboa a mergulhar na escuridão noturna e a ficar mais exposta ao crime. Atos bem exemplificados no texto da imagem 2: “Ilustríssimo Senhor. Na madrugada do dia 28 do corrente aparecerão quebrados muitos dos candieiros da iluminação da Rua Augusta, o que se presume ter sido feito com pau por alguns inimigos do socego e utilidade Publica; porem ignora-se quaes sejão os Authores de tão prejudicial delito. Lisboa em 29 de Maio de 1792”]

Imagem 2 - Queixa de ato de vandalismo nos candeeiros da R. Augusta. Manuscrito. IANTT, Intendência Geral da Polícia, registos de queixas.

Mas seria precisamente o recrudescimento da criminalidade que em 1801 impeliu a rainha D. Maria I à criação da Guarda Real da Polícia e a decretar novamente a resolução da iluminação pública, que passaria a incluir mais ruas. Na imagem (img. 3) observam-se os candeeiros suspensos a grande altura nas esquinas, numa haste curva de ferro cuja iluminação, segundo Ruders era de grande qualidade e estava entre as melhores da Europa. [Ruders, 1798-1802, pp. 251-252].

Imagem 3 - Praça de D. Pedro em Lisboa. Litografia De Manoel Luiz. Sé. XIX In: Universo Pittoresco: Jornal de Instrução e Recreio. Lisboa. V 1, N. 9 (1839-1840). GEO.

Em 1834 a administração da iluminação passou para o Município de Lisboa, estimando-se que as 2.328 lanternas então existentes chegaram a consumir anualmente treze mil almudes de azeite. No ano seguinte iniciaram-se as conversações para a utilização de gás na iluminação. O que só viria a acontecer em 1848 ganhando o privillégio da iluminação a gás a proposta de Cláudio Adriano da Costa e do belga José Detry. A inauguração foi a 30 de julho de 1848 “a população saiu toda para a rua e aglomerou-se nas praças e sítios principais. Deixou-se escurecer bem para depois ser maior o efeito e a surpresa. Tocaram bandas e filarmónicas, estalaram girândolas e foguetes, ressoaram os «vivas», houve um grito geral de espanto e foi vibrante e uníssona a exclamação: - Áh! [Sousa Bastos, 1947]. O novo sistema estendeu-se às ruas da Boavista, S. Paulo, Alecrim, Loreto, Santa Catarina, rua Nova do Almada, a S. Julião e ao Cais do Sodré e “os lisboetas aplaudiram a substituição da luz baça do azeite de purgueira pela iluminação resplandecente dos bicos de gás” [José Estêvão, 1958].

A Companhia Lisbonense de iluminação a Gás iniciou o seu serviço de iluminação pública e, gradualmente, instalou candeeiros em toda a cidade. Ainda antes do findar do século XIX a iluminação elétrica começou a ser testada em alguns eventos (img. 4), mas só ganhou relevância após a construção da Central Tejo no início do século XX (img. 5) e exclusividade a partir da década de 30 por contrato entre a Câmara Municipal de Lisboa e as Companhias Reunidas Gás e Eletricidade. Em 1951 a central de Castelo de Bode inaugurou a época das centrais hidroelétricas e atualmente a rede de iluminação pública da capital, composta por 72.000 luminárias, já integra a tecnologia LED.

   
Imagem 4 - Gaz de Lisbonne: éclairage électrique de l'avenue de la Liberté: candélabre. Desenho, [18--]. AML. (PT/AMLSB/CMLSBAH/PURB/006/00790)

Imagem 5 - Central Tejo. [193-]. Fotografia de Kurt Pinto (1887-1959). AML-AF. (PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/KPI/000222)

Bibliografia

BASTOS, António Sousa - Lisboa velha: sessenta anos de recordações, 1850 a 1910. Lisboa: Oficinas Gráficas da Câmara Municipal, 1947.

Biblioteca Nacional de Portugal - Coleção Pombalina, códice 46, fl. 387.

CORDEIRO, Bruno Cordovil da Silva - A iluminação pública em Lisboa e a problemática da história das técnicas.Tese de Mestrado em Ciências Sociais apresentada na Universidade de Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 2006.

ESTÊVÃO, José – “A iluminação da cidade” in  Revista Municipal, nº 79, 4º trimestre, 1958.

FINA, Rosa Maria - “E agora a noite: A transformação da noite lisboeta entre os séculos XVIII e XIX” in Revista Brotéria. 4 de Abril de 2015, volume 180, pp. 337-359.

Museu de Lisboa, publicação na página de Facebook do dia 28 de maio de 2021

OLIVEIRA, Eduardo Freire - Elementos para a História do Município de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1887. 1ª parte, Tomo I.

RUDERS, Carl Israel - Viagem em Portugal. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1981.

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