Nossa Senhora das Portas do Céu - Telheiras

D. João, Príncipe de Cândia [1578-1642]. GEO: LX; 81P'373.21/LIS
Vide nota 15.
Vide nota 15.

O Príncipe de Cândia de Cota, D. João de Ceytavaca de Catercolas1 (1578-1642) oriundo do Ceilão, veio para Portugal em 1610/11. "Era conhecido como o Príncipe de Cândia, o Príncipe de Telheiras ou o Príncipe Negro"2.
Em 1625 fundou em Telheiras a Irmandade de Nossa Senhora da(s) Porta(s) do Céu, tendo, para isso, "mandado construir um convento" e uma igreja, dedicada à mesma invocação mariana, "com capacidade para cerca de 600 pessoas"3.  A "igreja conventual tinha cinco capelas, sendo, uma delas, dedicada a Nossa Senhora do Governo, cujo culto, e tal como o de Nossa Senhora das Portas do Céu, eram únicos em Portugal"4.
O convento e a igreja foram erigidos por D. João, com recurso à pensão eclesiástica de "4 mil cruzados anuais e uma tença de outros quatro mil cruzados"5, "que D. Filipe II de Portugal lhe concedera, quando lhe logrou brasão. O seu brasão, atribuído em Madrid em 1625 por Filipe II e que se encontrava na Igreja de Telheiras, está, "desde 1910, no Museu Arqueológico do Carmo. Encimado por uma coroa e rodeado de sete castelos, tem no centro um sol radiante, à esquerda uma torre com a cruz de Santiago de Calatrava ou de Avis e, do lado direito, um leão rampante"6.
Mais tarde, em "1639 e por Escritura pública, é celebrado o contrato de entrega do convento aos Franciscanos"7.
Em 1642 morre, com 64 anos de idade, o príncipe ceilandês, deixando, com a sua partida, uma atribulada quezília entre os seus testamenteiros e os frades, pela posse dos imensos bens que tinha legado à igreja do convento de Telheiras.
A igreja conventual tornou-se em Capela da Coroa, quando D. João V e D. Mariana de Áustria aceitaram o convite para Juízes da Irmandade e, (...) em 1759, a Mordomia da Capela estava entregue à Princesa e Infantes
Com o grande terramoto de Lisboa, em 1755, "o convento e a igreja ficaram em ruínas", tendo-se dedicado à recuperação do edificado da irmandade, "D. Sebastião de Carvalho e Melo - Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, escrivão da Irmandade de Nossa Senhora das Portas do Céu"8 e, posteriormente, "Presidente da Mesa"9 -, cuja reconstrução terminaria em "1768, segundo a lápide do pórtico, (....)10" Posteriormente foi ocupada e saqueada pelas tropas do marechal Saldanha, em 1833. Com a extinção dos conventos, no ano seguinte, começou o abandono e a ruína da igreja. A Ordem Terceira de São Francisco, que ali possuía o altar de Nossa Senhora da Conceição, foi transferida para a Ermida do Sagrado Coração de Maria, no Campo Grande e, em 1880, as imagens da igreja foram levadas para essa capela"11.
O abandono absoluto do edifício era patente e, só em 1941, começaram as obras de recuperação da igreja, que permitiram a sua reabertura ao culto. Em 2004 a igreja tornou-se igreja paroquial e a sua administração foi entregue à Prelatura da Opus Dei.

As origens do culto e devoção marianos remontam aos primórdios do cristianismo, sendo, Maria - Nossa Senhora, mãe de Jesus Cristo -, venerada pela Igreja e na piedade popular com o culto de hiperdulia, ocupando um lugar único de honra e devoção, como mediadora/intercessora. Por isso, desde cedo, Maria é referida como "a porta do céu". Mais do que uma mera guardiã das portas celestes, Maria é entendida como sendo "a porta". Ela é, na sua qualidade de mãe, a grande advogada da humanidade, tornando-se, assim, no locus conducente à bem aventurança celeste, não como substituta da única mediação de Cristo, mas como uma mediadora, cuja acção se qualifica pela sua maternidade divina. Ela actua, assim, como cooperadora e subordinada a Jesus, auxiliando, protegendo e defendendo os homens no mundo e o mundo dos homens.
Maria, associada aos diversos momentos da existência humana, recebe assim diversos epítetos, que manifestam a relação única que a Igreja e cada crente estabelece com ela ao longo da história da salvação: Nossa Senhora do Parto, Nossa Senhora da Boa Morte, Nossa Senhora da Boa Hora, Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora da Boa Viagem, etc. Maria recebe ainda, e associada a determinados lugares e eventos particulares, diversos topónimos que recordam um momento concreto na história humana: Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora de Paris, Nossa Senhora da Nazaré, Nossa Senhora das Neves, Nossa Senhora do Cabo, etc.
Entre essas diversas manifestações do culto e devoção marianos, há um, em particular, "único de tão divina invocação"12 e que está associado ao seu papel intercessor na oikonomia da salvação, que a designa como Nossa Senhora das Portas do Céu. Fundado em Telheiras (Lisboa) em 1625, com a criação da Irmandade de Nossa Senhora das Portas do Céu, este raro13 culto mariano venera Nossa Senhora como a guardiã das portas celestes, sendo, por isso, representada na sua imagem, segurando na mão uma chave de prata.
Este elemento simbólico contém, na sua singeleza, a chave da milenar veneração a Maria e a importância do seu lugar no seio do cristianismo. Como depositária da chave do céu, elemento figurativo constante sobre a porta de entrada da igreja que a ela é dedicada, Nossa Senhora surge simultaneamente, aqui, como aquela que detém e, que é, a própria clavis caelorum. Aliás, este elemento simbólico da veneração a Nossa Senhora das portas do Céu, funcionou entre os paroquianos, desde sempre, como uma espécie de viático (viaticum, literalmente "para o caminho"). Por isso, esta chave de prata, que a veneranda imagem segura na mão, andava de casa em casa, levando aos doentes, aos moribundos e a todos os que necessitavam de auxílio, um consolo apaziguador, que alimentava a esperança na prometida vida futura. A festa em honra de Nossa Senhora das Portas do Céu era celebrada dia 4 de Outubro14 e passou, posteriormente a ser celebrada "no Sábado mais próximo do dia 21 de Novembro (dia da Apresentação de Nossa Senhora no Templo"15.

Sofia de Vasconcelos Nunes

 

1. COMISSÃO DE MUNICIPAL DE TOPONÍMIA, D. João, Príncipe de Cândia. Lisboa, CML, Abril de 2004, p. 3.
2. CORREIA, Arlindo, "Telheiras (Lisboa) e o seu convento". In: Telheiras. Cadernos Culturais. 2ª Série, nº 2, Novembro de 2009, Centro Cultural de Telheiras, pp. 9-15.
3. SOTTOMAYOR, Áppio ,"Telheiras e as portas do Céu". In: Jornal da Região. Lisboa, 16 de Novembro de 1998, p. 8.
4. COMISSÃO DE MUNICIPAL DE TOPONÍMIA, D. João, Príncipe de Cândia. Lisboa, CML, Abril de 2004, p. 3.
5. Ibidem
6. PEREIRA, Maria Celeste; BATISTA, Luís Miguel Preto; LEMOS, Fernando Afonso Andrade, "O Brasão do Príncipe de Cândia. Considerações sobre a sua problemática". In: Telheiras. Cadernos Culturais. 2ª Série, nº 2, Novembro de 2009, Centro Cultural de Telheiras, pp. 20-23. Para desambiguação da data, consultar também Monumentos e Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa, Vol. V, Tomo IV, 2ª parte p. 272, que refere antes o ano de "1927".
7. CORREIA, Arlindo, "Telheiras (Lisboa) e o seu convento". In: Telheiras. Cadernos Culturais. 2ª Série, nº 2, Novembro de 2009, Centro Cultural de Telheiras, pp. 9-15.
8. COMISSÃO DE MUNICIPAL DE TOPONÍMIA, D. João, Príncipe de Cândia. Lisboa, CML, Abril de 2004, p. 5.
9. LEMOS, Sofia Rebelo de Andrade e; LEMOS, Rita Maria Rebelo de Andrade e; "Telheiras na segunda metade do século XVIII". In: Olisipo. Boletim do Grupo "Amigos de Lisboa". II Série, Nº 12. Lisboa, Março 2000, pp. 66-68.
10. "Hoc Mariae templum coelique porta vocatur haec terrae a motu praecipitata domus Candiae ut hanc olim princeps struxit joseph cum regnat primus nunc renovata manet hocque oeirensis comitis tum nomine fulget aeternae dignum posteritatis opus MDCCLXVIII" (Este templo de Maria chama-se Porta do Céu. Esta casa, tal como outrora o Príncipe de Cândia a edificou, foi destruída pelo sismo. Agora, no reinado de José I, permanece renovada. Esta obra, digna de eterna posteridade, brilha então, com o nome do Conde de Oeiras. 1768)". LEMOS, Sofia Rebelo de Andrade e; LEMOS, Rita Maria Rebelo de Andrade e; "Telheiras na segunda metade do século XVIII". In: Olisipo. Boletim do Grupo "Amigos de Lisboa". II Série, Nº 12. Lisboa, Março 2000, p. 68.; PEREIRA, Luiz Gonzaga, Monumentos Sacros de Lisboa em 1883. Lisboa, Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, 1927, p. 146.
11. ATAÍDE, M. Maia; Soares, M. Micaela, Coord., Monumentos e Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa. Vol. V, Tomo IV, 2ª parte. Assembleia Distrital de Lisboa, Lisboa, 2000, pp. 270-274.
12. PEREIRA, Luiz Gonzaga, Monumentos Sacros de Lisboa em 1883. Lisboa, Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, 1927, p. 146.
13. Este culto mariano, bem como o "da Nossa Senhora do Governo e cuja capela estava do lado do Evangelho, eram únicos em Portugal".  Diz "Frei Agostinho de Santa Maria, no seu Santuário Mariano que o príncipe esperava, nessa invocação, agraciar a Virgem, para que à alma, em tempos pecadora, franqueasse as portas do Paraíso". LARCHER, Madalena, "O convento de Nossa Senhora das Portas do Céu". In: Telheiras. Cadernos Culturais. 2ª Série, nº 1, Novembro de 2008, Centro Cultural de Telheiras, p. 34.
14. LEMOS, Sofia Rebelo de Andrade e; LEMOS, Rita Maria Rebelo de Andrade e; "Telheiras na segunda metade do século XVIII". In: Olisipo. Boletim do Grupo "Amigos de Lisboa". II Série, Nº 12. Lisboa, Março 2000, pp. 66-68.
15. Opens external link in new windowParóquia de Telheiras

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