Os Primeiros Sinais de Trânsito de Lisboa

Placa de trânsito localizada na Rua do Salvador, freguesia de São Vicente.
Coche Dona Ana Victoria. Album de Bilhetes Postaes : Vistas de Lisboa, V. 11. - p. 6, nº 24. GEO

 

No século XVII o uso de coches já estava largamente difundido entre a fidalguia de Lisboa. Por outro lado, o avanço tecnológico dos transportes há muito que tornara acessível a grande parte da população, para fins recreativos e práticos, a utilização de carruagens, liteiras, seges, cadeirinhas e, naturalmente, os restantes veículos rodados de cargas, como as carroças. No conjunto, eram recursos de grande utilidade numa cidade de topografia sinuosa e subidas abruptas.

Mas a abundância de meios de transporte num cenário de ruas exíguas, terreno acidentado, mau estado de calçadas e edifícios desalinhados ou salientes, criaram as condições ideais para que em certas ruas da Lisboa Moderna o trânsito fosse verdadeiramente caótico! Sobretudo nos bairros mais antigos, populares e labirínticos, como Alfama, Colina do Castelo e Rossio, onde se concentravam numerosos palácios da nobreza, de magistrados, de mercadores e dignidades eclesiásticas – os grandes utilizadores de coches e afins.

Particularmente em certos nós do traçado urbano, assistiam-se a frequentes e acérrimos conflitos causados pela precedência de estatuto social, que deram origem a episódios burlescos que ficaram nos anais da História, não só pelas rixas e duelos entre criados das partes em conflito (boleeiros, sotas, cocheiros, lacaios) mas sobretudo pelo envolvimento e ofensa física dos próprios senhores, fidalgos incluídos.

A partir da segunda metade do século XVII, a procura de condições para a fluidez do trânsito levou a um maior envolvimento da Câmara de Lisboa. Os meios de locomoção rodada estavam para ficar e a adaptação do traçado medieval impunha-se no sentido de tornar as ruas transitáveis nas duas direções para a passagem de coches, liteiras e afins. Estes pontos foram incontornáveis na aprovação e cordeamento de novas construções, obrigou à demolição de alguns postigos da cerca fernandina e ao alargamento de ruas e adros, como sucedeu, por exemplo, em 1677, quando foi construído no adro do convento de Santo Elói um arco que ligava diretamente à Colina do Castelo). E uma vez que a evolução dos modelos dos veículos os tornara mais altos e o próprio edificado embaraçava o trânsito, a introdução destes meios de transporte interferiu, inevitavelmente, na arquitetura da cidade, levando à eliminação de tudo o que prejudicasse a circulação de duas carruagens: as sacadas foram recolhidas e os degraus das portas, as grades de ferro das janelas e os bancos exteriores desapareceram.

O decreto de 9 de Outubro de 1686 veio definir as prioridades viárias. Antecedido pelo de 13 de Setembro que ordenava a prisão de quem se opusesse a recuar a carruagem, o de Outubro ia mais longe aproximando-se do atual código da estrada de que quem desce tem a prioridade. Determinava a identificação das ruas estreitas de Lisboa onde o recuo fosse inevitável e a colocação pelo Senado, nesses mesmos locais, de padrões com a indicação das prioridades.

Foram colocados 23 padrões, dos quais estão atualmente identificados três in situ ou ligeiramente deslocados. O primeiro foi colocado na Calçada de S. Vicente (casa da esquina meridional para a Cruz de Santa Helena), um troço que desempenhava um importante papel na mobilidade dos moradores daquela parte da cidade onde viviam algumas figuras de destaque social e político da época: importantes magistrados da Casa da Suplicação e do Desembargo do Paço; o poderoso valido e secretário de Estado do expediente e mercês do rei D. Pedro II Roque Monteiro Paim; Fidalgos da Casa Real como Cosme da Guarda Fragoso e D. Luiz Salazar Coutinho. E, como referido, a qualidade social era sinónimo de posse de meios de transporte eficazes, mas também difíceis de manobrar e circular. Quanto maior o numero de moradores privilegiados, mais se justificava a presença da sinalética.

O segundo e terceiro sinais de trânsito encontram-se na atual Freguesia de Santa Maria Maior. O segundo padrão é sobejamente conhecido, está localizado na Rua do Salvador e o terceiro refere as cocheiras da casa do Desembargador Gonçalo Barbosa de Meireles Freire que foi chanceler-mor do reino (1692), desembargador do Paço e fidalgo da Casa Real (1691) e está localizado no interior de um lote habitacional.

Delminda Rijo

Bibliografia

CABRAL, António Machado de Faria de Pina, “Memórias Históricas de Lisboa 1680 a 1716” in Lisboa e o Seu Termo, Estudos e Documentos, Lisboa, Associação dos Arqueólogos Portugueses, vol. II, MCMXLVIII.

CASTILHO, Júlio de, Lisboa Antiga III, Lisboa, 1935.

Símbolo de acessibilidade à Web

Site optimizado para Firefox 2.0.0.10, IE 7.0 e IE 6.0
Todos os conteúdos deste site são propriedade da CML ou das entidades neles identificadas.
Utilização sujeita a autorização da Câmara Municipal de Lisboa · © 2007
Desenvolvido por CML/DMAGI/DNT