A Greve Geral de 18 de Janeiro de 1934
Há 90 anos atrás Lisboa acordava sobressaltada com a notícia de que as forças policiais e militares se espalhavam por todas as freguesias procurando reprimir a greve geral convocada pela Frente Única Operária. Esta frente congregava a Confederação Geral do Trabalho (anarco-sindicalista), a Comissão Inter-Sindical (comunista) e a Federação das Associações Operárias (socialista) que num caso raro uniam esforços para combater o Decreto-lei nº 23050, de 23 de Setembro de 1933 que impunha a organização corporativista eliminando o sindicalismo livre e independente. Opondo-se firmemente à sua extinção, o que levaria a uma fraca (ou inexistente) representação dos trabalhadores junto das entidades patronais, delineou a Frente Única Operária uma greve geral em todo o país com a recusa à comparência no trabalho a ter grande adesão em Almada, Silves e Marinha Grande. O recurso a actos de perturbação da ordem pública advogada por parte dos anarco-sindicalistas ocasionou vários descarrilamentos, entre os quais, o mais grave, o que ocorreu na Póvoa de Santa Iria (outros sucederam em Benfica, Martingança, e Algoz). Os grevistas fizeram explodir bombas (Barreiro, Marinha Grande, Benfica, entre outos), cortaram linhas de telefone e de telégrafo (Marinha Grande, Cova da Piedade, Almada, Coimbra, Silves, por exemplo), e ocuparam alguns postos da Guarda Nacional Republicana.
Em Lisboa, a greve teria forçosamente de ser mais sentida nos bairros operários. De facto, foi na zona de Chelas e de Xabregas, onde se concentravam grandes fábricas (têxteis, da pólvora, da indústria alimentar, dos sabões, do tabaco), e grande número do operariado urbano (alojado perto das fábricas em vilas e pátios), que se concentraram os confrontos.
A imprensa do dia e dos dias seguintes deu pormenores aos seus leitores, sendo os jornais unânimes em descrever como um grupo de suspeitos foi perseguido pela polícia junto da Rua Gualdim Pais encurralando-os na Vila Flamiano onde um polícia que ali vivia, ao sair de casa, foi ameaçado pelos díscolos, e onde, após tiroteio, os revoltosos foram derrotados e presos, abandonando as bombas que tinham consigo. Na Fábrica de Material de Guerra de Braço de Prata apesar de tudo estar tranquilo as caldeiras das máquinas tinham sido sabotadas de modo a atrasar a produção e a impedir o funcionamento do tradicional apito de chamada dos trabalhadores. Em S. Pedro de Alcântara houve tiros, encontraram-se bombas no Alto do Pina e em Benfica perto da linha férrea.
A imprensa anunciou o fracasso da Greve Geral e na realidade ela não produziu os resultados esperados pelo facto de a união entre sindicatos ter levado a indecisões e atrasos constantes na tomada de decisões. E ainda devido à acção do Governo que já de sobreaviso prendera uns dias antes um dos mais activos sindicalistas, Mário Castelhano e preparara a estratégia de defesa. Na noite de 17 para 18 de Janeiro o Governo, alojado no Quartel de Caçadores 5, dispôs as forças policiais e militares em pontos estratégicos, como as estações da Carris do Arco do Cego e de Santo Amaro; dispersou elementos por toda a zona industrial; cortou o trânsito de peões e automóvel no Rossio; mandou encerrar os estabelecimentos comerciais que tinham permissão para abrir à noite (restaurantes, casas de pasto e cafés); fez terminar abruptamente as exibições em teatros e cinemas aconselhando a população a regressar rapidamente a casa alterando ritmo comum da cidade.
Após o estrangular da greve, seguiu-se a aplicação de medidas repressivas: quase 700 presos (dos quais 227 em Lisboa) e metade deles levados ao Tribunal Militar Especial, criado em 1932 para julgar crimes contra a segurança do Estado. Os menores de 18 anos foram conduzidos para estabelecimentos correccionais e os grevistas impedidos de regressarem aos seus postos de trabalho, com multas para os patrões que os aceitassem.
O movimento sindical ficou decapitado e dois anos mais tarde, alguns dos dirigentes e grevistas implicados no 18 de Janeiro, integrariam a primeira leva de presos do Campo de Concentração do Tarrafal.
Ana Homem de Melo
*A autora escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico.
BIBLIOGRAFIA: https://setentaequatro.pt/ensaio/18-de-janeiro-de-1934-o-grande-combate-do-sindicalismo-livre (ult. cons. Jan. 2024)
FOLGADO, D., et.. alli, Caminho do oriente: guia do património industrial. Lisboa: Caminho do oriente : Livros Horizonte, 1999
MADEIRA, J. , “18 de Janeiro de 1934: o grande combate do sindicalismo livre”. Setentaequatro. Jornal Digital. Disponível em:
PATRIARCA, M. F., “O «18 de Janeiro»: uma proposta de reeleitura”. In: Análise Social, vol. XXVIII, (123 – 124), 1993 (4º -5º), pp. 1137 – 1152. Disponível em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223294052L7hDQ6bx4Sh05QU5.pdf (ul. Cons. Jan. 2024)
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O Século, A. 54, Nº 18624 (18 Jan.1934); Nº 18625 (19 Jan. 1934); Nº 18626 (20 Jan. 1934)