Quiosques e Bancas da Baixa e do Chiado

O tempo (ou a falta dele) tem-nos moldado a novas vivências, e a trajectória, muitas vezes apressada, do nosso quotidiano talvez seja a primeira a denunciar esse novo modus vivendi.  As coisas simples da vida por vezes são olhadas sem ser vistas e a curiosidade que faz indagar e mover o mundo, conforme disse A. Einstein, não é accionada. Pelo que este périplo pelos Quiosques da Baixa e do Chiado são o resgatar daqueles que fazem parte do nosso dia-a-dia… são homens e mulheres que muitas vezes não sabemos tratar pelo nome.

Os Quiosques falam uma linguagem própria, uns simbolizam ainda épocas de apogeu de tempos que passaram, com uma arquitectura distintiva e identificativa, outros gravaram as bebidas que ofereciam aos transeuntes, por exemplo o do Largo de São Paulo que assim imortalizou e fez chegar aos nossos dias a “Cerveja e Gazoza”. Nuns, tabaco, jornais, revistas, noutros também jogo, "literatura de cordel”, souvenirs de Lisboa ou de Portugal prontos a satisfazer o turista, ou ainda o do Largo do Carmo que é a “galeria” de um aguarelista mongol, ou o quiosque municipal dos Restauradores que debaixo da sua cúpula paralelepipédica alberga, desde 1962, a ABEP - Agência de Bilhetes para Espectáculos - onde o sr. José Carlos, hoje homem sexagenário, entrou com 11 anos de idade. Ou o do Cais do Sodré, e outros mais vocacionados para os "comes e bebes",  conhecido como “Rei dos Torresmos”, fama que granjeou na segunda metade do século passado «(…) era o movimento da estiva, as varinas da lota do peixe, o desembarque … gente que vinha comer as nossas sandes de torresmos e de filetes de bacalhau»,  conforme conta Alípio Rocha.  

Os Quiosques em Lisboa apareceram sob inspiração francesa na segunda metade do século XIX, pois a cidade começou a alinhar-se com as tendências emergentes nas outras capitais europeias e começou a ver que grande parte da vida se passava na rua, pelo que estes espaços significavam uma oportunidade de negócio. Os quiosques marcavam, muitas vezes antes do sol nascer, o início de uma longa jornada com um “mata-bicho” reforçado, tal como amenizavam, entre um gole de vinho e uma anedota, o final de um dia árduo de trabalho. Mas os quiosques da zona ribeirinha da cidade, que serviam essencialmente o pessoal ligado à actividade portuária e marítima, tinham uma clientela porventura diferente de outras zonas da cidade.

Também hoje o público aparentemente homogéneo apresenta as suas singularidades, e se uns quiosques apontam como o produto mais vendido o tabaco, outros falam do jornal e revista, outros destacam as pastilhas, mas há muitos que optam pelo provérbio popular “grão a grão é que a galinha enche o papo” para clarificar a relação de complementaridade dos diversos “produtos miúdos”. O trabalho no quiosque pode ser de um homem só, de um casal ou de uma família. E nesta digressão pelas “nádegas” da Baixa e Chiado, tal como explicou Baltazar Caeiro em Os Quiosques de Lisboa quando revelou a origem etimológica da palavra Quiosque (do francês kiosque, antes turco kiouchk que significa nádega), ficou expresso e merece registo as dinâmicas de entreajuda, sobretudo entre industânicos, a solução de auto-emprego para aqueles que a vida empurrou para o desemprego, a trajectória “natural” para quem descende de família de ardinas. Mas ao que parece nada de novo, pois se atentarmos nas palavras de Maria Archer (na Revista Municipal N.º 3) percebemos que quando  esta entrevistou um ardina em 1940 essa camaradagem já era por demais evidente.  

Actualmente, a grande mudança, já no séc. XXI, na sua rotina diária é apontada em uníssono, referem-se à vinda dos distribuidores até à Banca. Antes o aprovisionamento era feito no Bairro Alto e mais tarde no Figo Maduro, embora para alguns tenha ficado a nostalgia do convívio com os colegas de profissão e de luta, «O Bairro Alto era o ponto de encontro com o “Totina”, o “Licas”, o “Marujo”, entre outros». Nas palavras de Jorge Gonçalves, da rua de São Nicolau, percebe-se que a gíria ardina acabou por lhe cunhar a recordação, em nada dissonante do testemunho longínquo recolhido por Maria Archer.

Importa também lembrar que até o ardina ter poiso fixo [Quiosque] demorou o seu tempo, pois estes jovens começaram por serpentear a cidade na entrega porta-a-porta entoando os diversos pregões; sim, porque cada jornal tinha uma entoação própria para se anunciar, por exemplo: “Olha a Bola”; “Diário de Notícias”; “Crónica Feminina” ou “O Século”. Um parêntesis para nos ajudar a compreender este caminho. Retomando "Tipos Populares: o ardina", é precisamente com Maria Archer que ficámos a par do que era ter uma «venda». Não era uma loja, era "ter um poiso na esquina duma rua, e freguezes certos"; ainda em relação aos pregões,  Francisco Amaral do Terreiro do Paço, referindo-se ao seu pai, conta essa forma de apregoar, recordando que António do Amaral tinha como cliente da “volta” o Almirante Gago Coutinho na rua da Esperança (Madragoa).

Em jeito de remate: os ardinas do século XXI, cada qual à sua maneira, todos os dias levam a sua "carta a Garcia", ou seja, a cada um de nós. É certamente esse sentimento de Dever, sobre o qual Elbert Hubbard escreveu, que faz com que José Ramalho (na casa dos 65 anos) esteja no quiosque junto ao Elevador da Glória às 4h da manhã!

Judite Lourenço Reis 

 

Levantamento dos Quiosques e Bancas de Jornal da Baixa e do Chiado (descarregar PDF)

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