Gravadores da Baixa e do Chiado

São 25 lojas e oficinas de 24 firmas - uma tem loja e oficina separadas, a Capelgravo - num total de 72 pessoas ao serviço. Destas empresas, 8 são pessoais, 15 são micro-empresas empregando entre duas a três pessoas e só 1, a Gravarte, emprega vinte pessoas, no que a torna a maior deste sector de actividade nesta área da cidade. Doze são de carácter familiar.
 
Por especialidades, 2 são de pendor mais artístico: a Américo Raposo para troféus e taças, a Gravarte para a medalhística; 2 gravadores manuais e artisticos – Joaquim Martins  e Jorge Silva; 2 especializadas em condecorações; 5 mais vocacionadas para as medalhas e placas comemorativas; 5 para as taças e troféus e 18 generalistas, fabricando carimbos, placas e sinalética, gravações em geral.

É um meio profissional muito coeso e articulado entre si pelas especializações e pelas prestações de serviço recíprocas o que lhes permite complementaridades de negócio e ganhos de produtividade. Talvez por isso, mas não só, tenha vindo a «resistir às investidas da concorrência espanhola». Esta, aquando da integração europeia, já provocou alterações significativas nos tipos de artigos oferecidos, mormente nas taças e troféus, com materiais mais económicos – plásticos, aço e alumínio – deixando a tradicional casquinha lusa para casos mais especiais. Esta diversificação da oferta de taças e troféus, fabricados na China e distribuídas por empresas espanholas e francesas, trouxe também um gosto kitsch, nos modelos propostos, contrastando com as linhas elegantes e mais sóbrias que eram próprias ao gosto tradicional português.

Já a medalhística com larga tradição criativa e de produção em Lisboa desde meados do século XX, tem mantido os seus cânones e criatividade: várias destas empresas estampam medalhas de sua iniciativa ou por encomenda de terceiros, sendo um mercado que edita algumas dezenas de diferentes medalhas por ano, novas ou em reedições, com tiragens variadas. É uma arte interessante que valoriza e distingue muitas destas firmas e concomitantemente os seus profissionais. Estes, os gravadores, são muitas vezes anónimos que criam sem assinar, peças de uma perfeição e desenho notáveis, em alto e baixo relevos. Mas a produção a partir de artistas consagrados, escultores, etc. tem também expressão com o apoio desta indústria artesanal, mais manufactura em série do que produção industrial. Pela sua dimensão, dinamismo, antiguidade e arte destaca-se a Gravarte-Indugrave, com centenas de medalhas próprias editadas e milhares de medalhas de clientes produzidas desde 1952.

A medalhística é outra arte associada ao gravador: a partir de um desenho de artista - desenhador ou escultor - o gravador vai copiar, gravar esse desenho num molde do qual faz um cunho em aço, contra o qual depois é prensada ou estampada a pastilha - pedaço de metal - num balancé, saindo a medalha nos exemplares que se pretender. Estas medalhas, geralmente em bronze, comemoram datas e festas - Natal, 25 Abril, uma descoberta marítima ou científica, um evento histórico, uma data oficial, etc.. Há também as encomendas para empresas, instituições ou a mera homenagem. Estas compõem muitas das montras destes estabelecimentos, sendo apreciadas e adquiridas por muitos nacionais e estrangeiros. É uma arte bem enraizada em Lisboa e com muita tradição nos ofícios mais qualificados da capital há vários séculos. Estas medalhas acabam por ir ornamentar muitas casas e estantes de profissionais liberais, professores, quadros de empresas e de serviços públicos, etc. Uma medalha de bronze ou de liga com acabamento imitando o bronze, é uma peça de prestígio pelo facto ou pessoa que evoca. Tem valor afectivo pelo momento que recorda, tem valor artístico pelo desenho ou autor, pela perfeição e boa execução do gravador. Anualmente são produzidas dezenas de medalhas pelos mais diversos artistas e casas de Lisboa.

O Sr. Vasco Costa, proprietário e fundador da Gravarte desde 1922 sintetiza assim a importância da medalhística na cidade: «Só a grande colaboração dos escultores medalhistas foi possível o desenvolvimento notável da arte de gravura desde aproximadamente os anos 1950. A sua colaboração veio facilitar e enobrecer esta arte, que graças às novas técnicas permitiu que a Medalha portuguesa esteja muito bem cotada no mundo. Para esse fim foram criados alguns Círculos de Autores como Anverso e Reverso cujo dinamizador é o mestre Hélder Batista e outro círculo Volte Face dinamizado pelo Prof. de Belas Artes João Duarte, do qual fazem parte outros escultores medalhistas que se distinguem pelos próprios prémios obtidos em várias exposições internacionais organizadas pela FIDEM e por outras entidades. Também é de referir que a Casa da Moeda tem a sua oficina de gravação, tendo portanto a par da fábrica da moeda o fabrico e comercialização da medalha. Foi na Casa da Moeda que Marcelino Norte de Almeida foi chefe durante 36 anos, esculpiu numerosas peças para o Estado Português a par da direcção do fabrico de outras peças de escultores da época como João da Silva, Leopoldo de Almeida ou Joaquim Correia, entre outros».

A Gravação é pois uma actividade típica da capital, produzindo carimbos e selos brancos em abundância para ministérios, embaixadas, administrações, bancos e empresas: «Se não fosse um país tão burocrático não teríamos tanto que fazer», referiu um destes profissionais. Uma rede de agentes por todo o país distribui este serviço ao restante território nacional. De pequeno capital investido e muita mão-de-obra, prontidão e cumprimento de prazos são aqui os principais condicionadores do negócio.

Também a complementaridade com a indústria que fornece medalhas desportivas, taças e troféus já prontos facilita a tarefa e deixa para o gravador a finalização da peça com a inscrição própria.

Outro factor que favorece a subsistência destas empresas é a sua versatilidade. Partindo da arte de gravador, esta possibilita inscrições numa diversidade de materiais e aplicações variadíssimas: das letras avulsas e letreiros, às placas identificativas, dos carimbos aos selos brancos, dos sinetes às placas comemorativas, etc. O gravador fornece também as inúmeras ourivesarias com gravações personalizadas em salvas, medalhas, pulseiras e anéis, as papelarias e tabacarias com inscrições de nomes e datas em canetas e isqueiros, todo um contributo de retaguarda, discreto mas rápido. Por isto e por o gravador trabalhar amiúde com materiais nobres e com alguma perícia, muitos destes gravadores estão inscritos na respectiva Associação de Ourives e na Contrastaria Nacional. Com efeito o gravador artístico estará entre o ourives e o escultor - para as medalhas - e próximo do desenhador artístico para as gravações em placas e salvas. Nas criações mais modernas, gravadores há como Américo Raposo Júnior que vão beber ao designer, ao criativo que concilia diversos materiais - acrílico, cristal, vidro, duralumínio, madeira, pedra, titânio e os conjugam com os metais tradicionais, nomeadamente o latão, aço, bronze, prata, ouro ou casquinha.     

Curiosamente este é um ramo de actividade que reflecte bem a hierarquia e a estratificação da sociedade no seu todo: dos nobres e embaixadores aos cardeais e grão-mestres que mandam gravar anéis, convites ou brasões; dos ministérios, presidência da República e estados estrangeiros aos ramos das forças armadas que encomendam ordens honoríficas e condecorações; dos nubentes, estudantes aos jubilados e casais em aniversário de bodas que mandam gravar anéis, salvas e taças; dos clubes desportivos, freguesias, IPSS às grandes empresas, bancos e fundações que mandam gravar taças, medalhas e placas comemorativas; dos simples estabelecimentos, bengaleiros, depósitos, aos hotéis, companhias de aviação, indústrias que encomendam placas, letrários e chapas numeradas; praticamente tudo e todos precisam alguma vez na vida do serviço de uma empresa de gravação! Estas só não gravam em pedra e em vidro, que exige outras técnicas e ferramentas.

A arte de gravador consiste em gravar caracteres, logos ou desenhos, sobre objectos e materiais, correntemente aço, latão, bronze, alumínio, acrílico e plásticos vários. Faz também placas em esmalte, estas mediante um outro processo, num fundo azul-marinho que é muito típica de Lisboa, mormente nos números das portas da rua. O gravador faz ainda carimbos, sinetes, selos brancos, estes com técnicas e matéria-prima diversa, a borracha, mas que tem em comum as mesmas ferramentas - o pantógrafo - e desde a ultima década o computador que desenha, recorta, imprime na peça. Para Virgílio Capela da Capelogravo «Quem não investiu em novas técnicas neste negócio, está condenado! Hoje o mesmo artigo sai mais barato ao cliente pois é mais rápido o seu fabrico e quem perde é o artífice pois aplica menos horas, menos mão-de-obra e portanto ganha menos. Hoje o operador de pantógrafo já é raro, substituído pelas tecnologias informatizadas e por isso muitos trabalhos vão deixar de se fazer como se faziam, agora mais simplificados».

Já as taças, troféus e medalhas desportivas embora o fabrico seja a montante deste ramo, levam a gravação com a competição, o seu promotor, a data - que só os gravadores podem e sabem executar.

Por último a esmaltagem é uma técnica muito interessante e com muita tradição mas que é só praticada por algumas firmas e profissionais para emblemas e condecorações. São correntes a esmaltagem vítrea a fogo e com pós de sílica, a mais antiga, que exige mais perícia do artífice e a esmaltagem sintética, com tintas acrílicas e baixas temperaturas, menos exigente na execução e menos onerosa no fabrico, por isso tendencialmente mais praticada. Dá lugar a uma bela arte de crachás, pins ou emblemas para corporações militares, clubes desportivos, autarquias, empresas. Combinado com o trabalho dos metais, qual mister de ourives, a esmaltagem dá às condecorações e ordens honoríficas brilho e cor, destacando-se neste fabrico a Frederico Costa, fundada em 1823 e a Casa das Condecorações de H.Cunha de 1925.

Lisboa e em especial a sua Baixa, não seriam as mesmas sem este ramo de actividade que tem tanto de oficinal, como de artístico e utilitário: naquilo que faz, o gravador junta o útil ao estético, com variadas pitadas de arte!

G.P.

Inventário dos Gravadores da Baixa e do Chiado (descarregar PDF)

Símbolo de acessibilidade à Web

Site optimizado para Firefox 2.0.0.10, IE 7.0 e IE 6.0
Todos os conteúdos deste site são propriedade da CML ou das entidades neles identificadas.
Utilização sujeita a autorização da Câmara Municipal de Lisboa · © 2007
Desenvolvido por CML/DMAGI/DNT