A Quase-Batalha Naval do Tejo, em 1384

Esquema baseado em Armando Saturnino Monteiro, Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa, Vol. 1, Lisboa, Sá da Costa, 1989, p. 38.

Composta por um grande número de embarcações, num total de 18 galés e seis naus, segundo o cronista castelhano Pero López de Ayala, ou 17 galés e outras tantas naus, de acordo com Fernão Lopes, no dia 16 de Julho a frota proveniente do Porto rumava, depois de uma curta escala em Buarcos, em direcção a Lisboa carregada de mantimentos e reforços. A cidade, cercada por terra desde os finais de Maio pela hoste de Juan I de Castela, encontrava-se também isolada pelo lado do rio, onde a armada inimiga fechava a barra impedindo a chegada de socorro.

Com a noção de que aqueles navios pretendiam furar o bloqueio e chegar a Lisboa, o comando das forças sitiadores, depois de um intenso debate em que se discutiu qual o melhor local para combater as embarcações portuguesas – no mar ou já no rio –, foi decidido, sobretudo por pressão dos mestres das naus e pelo seu comandante, Pero Afã de Rivera, que o combate teria lugar no Tejo, pois seria mais fácil, numa área circunscrita, capturar as embarcações inimigas e impedi-las de atingir o seu objectivo. Rejeitada a proposta do almirante Fernán Sánchez de Toar de combater no mar, eventualmente nas imediações das Berlengas, foi então decidido que a frota castelhana, teoricamente composta por 80 embarcações, mas das quais só 13 galés e 40 naus se encontravam operacionais, deveria posicionar-se junto ao Restelo, com uma primeira linha formada pelas naus e a segunda pelas galés. O ataque deveria ocorrer apenas quando todos os navios portugueses tivessem entrado no Tejo, onde seriam, assim, facilmente encurralados.

Sob o comando de Gonçalo Teles, a frota, que entretanto, no dia 17 de Julho, tinha ancorado em Cascais, não tinha ainda qualquer plano acerca da forma de chegar a Lisboa. Contudo, depois de enviar um mensageiro – o mercador portuense João Ramalho – à cidade, foi decidido por D. João, Mestre de Avis, que os lisboetas iriam pôr em acção algumas das naus varadas na Ribeira para, depois de se reunirem à frota vinda do Porto, se lançarem sobre a armada inimiga. Contudo, para que isso fosse possível, era essencial que os navios de Gonçalo Teles conseguissem passar pela frota castelhana, que no dia 18 se posicionou, como planeado, alinhada obliquamente ao longo da costa e com as proas viradas para o lado do rio, de modo a não perderem tempo com manobras.

Pelas 9 horas da manhã desse mesmo dia 18, os primeiros navios, dispostos em três linhas paralelas, surgem em frente a S. Julião. A da esquerda, mais próxima da margem norte, era formada por cinco grandes naus encabeçadas pela Milheira, capitaneada por Rui Pereira e com uma guarnição de 60 homens de armas e 40 besteiros. A estibordo dispunha-se uma segunda linha composta por 16 galés, à frente das quais se encontrava a galé real, comandada por Gonçalo Teles. Por fim, a coluna mais próxima da margem sul, era constituída pelas restantes 12 naus. Enquanto isso, na Ribeira, a situação era de total confusão, com um grande número de combatentes a entrar nas naus ali varadas, as quais deveriam, seguindo o plano do Mestre de Avis, juntar-se à frota de Gonçalo Teles. Contudo, excessivamente pesadas e com o vento a soprar de leste para oeste, as que conseguiam largar ferro eram arrastadas para montante.

Logo que o último navio da frota vinda do Porto, que progredia mais próxima da margem sul do rio, junto a Cacilhas, passou em frente ao Restelo, as embarcações castelhanas largaram as amarras que as mantinham presas à praia. O adversário estava agora, conforme planeado, encurralado no Tejo. O primeiro navio a largar ferro foi a nau comandada por Juan de Arena que, tal como as restantes, rebocava um batel apinhado de homens de armas. Apercebendo-se da aproximação desse navio e dos que o seguiam, Rui Pereira rodou a sua nau para bombordo de modo a cortar-lhe o caminho e, quase à meia-volta, conseguiu mesmo abalroar o inimigo. Os outros quatro navios que seguiam na sua peugada efectuaram um movimento semelhante, protegendo, assim, a progressão das outras duas colunas. As cinco naus que seguiam a de Juan de Arena envolveram-se também em combate com três das naus – uma delas a Sangrenta – que seguiam a Milheira.

E foi durante a troca de tiros de besta que habitualmente antecedia a abordagem, que Rui Pereira – tio de Nuno Álvares Pereira – foi mortalmente atingido na face, vítima de uma chuva de virotões disparada pelos besteiros que compunham as guarnições dos navios castelhanos. Após um intenso combate, ferido junto a Cacilhas, três das naus portuguesas – entre as quais a Milheira – acabaram tomadas. 


Perseguida por cinco galés castelhanas e sujeita a uma chuva de virotões de tal forma intensa que lhe deixou o casco completamente crivado de projécteis, a Sangrenta conseguiu, ainda assim, chegar a Lisboa em segurança. Graças à acção da coluna comandada por Rui Pereira, que impediu o avanço dos navios castelhanos, todas as galés portuguesas conseguiram também passar incólumes, tal como as restantes 12 naus que, apesar da perseguição movida por alguns navios inimigos, mais lentos devido aos pesados batéis que rebocavam, tinham a vantagem da velocidade começada a adquirir algumas milhas atrás e, por isso, conseguiram chegar a Lisboa sem qualquer percalço. Apesar da perda de três naus, as únicas que, de facto, se envolveram em combate, a manobra resultou em cheio.

Em termos tácticos, a opção por navegar tão junto quanto possível da margem esquerda do Tejo foi a chave para o sucesso, pois a distância que os navios castelhanos tiveram de percorrer até se aproximarem das embarcações portuguesas, que vinham já a grande velocidade, foi suficiente para que a quase totalidade dos navios chegasse a Lisboa, já que as embarcações castelhanas, mais pesadas, tiveram que adquirir velocidade gradualmente, perdendo assim o tempo precioso que as impediu de levar a cabo a manobra pretendida.

Miguel Gomes Martins

 

FONTES:


Fernão Lopes, Chronica del Rei Dom João I da Boa Memória. Parte Primeira, reprodução facsimilada da Edição do Arquivo Histórico Português, preparada por Anselmo Braamcamp Freire, com prefácio de Luís Filipe Lindley Cintra, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1972.

Pero López de Ayala, “Crónica del Rey Don Juan, Primero de Castilla e de León”, in Cronicas, ed. de José-Luis Martín, Barcelona, Planeta, 1991, pp. 509-697.

BIBLIOGRAFIA:


Armando Saturnino Monteiro, Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa, Vol. 1, Lisboa, Sá da Costa, 1989.

João Gouveia Monteiro, “De Afonso IV (1325) à Batalha de Alfarrobeira (1449) - Os desafios da maturidade”, in Nova História Militar de Portugal (Dir. de Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira), Vol. 1 (Coord. de José Mattoso), Lisboa, Círculo de Leitores, 2003, pp. 163-287.

Miguel Gomes Martins, De Ourique a Aljubarrota. A Guerra na Idade Média, Lisboa, Esfera dos Livros, 2011..

Miguel Gomes Martins, A Vitória do Quarto Cavaleiro. O Cerco de Lisboa de 1384, Lisboa, Prefácio, 2006.

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