O Mouro, “mestre dos olhos”
A oftalmologia foi, desde cedo, uma ciência muito desenvolvida no Islão medieval. Os médicos especialistas nesta área contam-se às dezenas e alguns deles não viveram muito longe de Lisboa, como Al-Ghafiqi, um médico cordovense que escreveu, no século XII, um tratado nesta área. A relevância dos oftalmologistas muçulmanos manteve-se bem para além da existência do al-Andalus, como se observa num interessante documento que regista a necessidade do rei D. João I, e também, da população lisboeta, em assegurar os serviços de um “mouro, mestre dos olhos”.
Segundo um documento preservado no Livro dos Pregos, D. João I terá mandado chamar um oftalmologista muçulmano não identificado, para tratar o filho de um Fernão Álvarez, que possivelmente seria um dos seus conselheiros régios. No entanto, a ideia de perder o “mestre dos olhos” não foi bem acolhida pela população lisboeta, e o concelho terá pedido ao rei para que este não abandonasse a cidade e com ela mais de uma centena de pacientes que o oftalmologista lá teria. E assim foi, o rei aceitou o pedido do concelho, e em vez de o médico sair de Lisboa, o filho de Fernão Álvarez deslocou-se à cidade para ser observado e tratado pelo especialista.
Um dos aspetos mais interessantes deste documento é a continuidade da proeminência de um oftalmologista muçulmano, em Lisboa, numa fase tardia, depois de já outros especialistas, alguns cristãos e até mesmo lisboetas, como Pedro Hispano, o Papa João XXI, se terem dedicado a este tema. A verdade é que, no início do século XV, Lisboa ainda dependia claramente de um médico muçulmano para tratar a vista dos seus habitantes, tal como dependeria o próprio rei, que parece não ter outros recursos disponíveis para ajudar o filho de Fernão Álvarez.
"Concelho e homeens boons da nossa mui nobre leal cidade de Lixboa nos ell rey vos enviamos muyto saudar. Fazemos-vos saber que vimos a carta que nos enviastes e entendemos bem todo o que em ella he contheudo e ao que nos enviastes dizer que esse mouro meestre dos olhos diz que nos o mandamos d´allo viinr pera aver de curar do filho de Fernand´Alvarez e porque el tem mais de cem curas e per sua partida ficaryam desemparadas que nos pediades por merçee que oolhassemos bem esta cousa nos mandamos que pois el tantas curas tem que nom parta d´allo e que Fernand´Alvarez mande a lo seu filho a se curar. Dante em Ryo Mayor XXII de Julho ell rey o mandou Lop´Esteveenz a fez."
AML, Livro dos Pregos doc. 104
PT/AMLS/AL/CMLS/ADMG-E/09/104