O Hospital de D. Maria de Aboim em Lisboa

Provável localização do Hospital de D. Maria de Aboim (Pormenor da Gravura Georg Braun e Frans Hogenberg, “Olissipo quae nunc Lisboa…”, Civitates orbis terrarum, pub. em Colónia, c. 1598 com base em desenho de c. 1565)

O Hospital de D. Maria de Aboim foi instituído em Lisboa em Julho de 1337 por D. Maria de Aboim, viúva de João Fernandes de Lima e filha de D. João Peres de Aboim – um dos principais magnatas da corte de Afonso III –, que através de disposições testamentárias, definiu também que a instituição deveria ser inicialmente administrada pelos seus testamenteiros, dos quais se conhece apenas o nome do tabelião Loureço Afonso.

Mas tal como se encontrava estipulado pela própria instituidora, à morte dos seus testamenteiros, a gestão do hospital foi entregue ao concelho de Lisboa, a quem passou a competir a missão de nomear um provedor vitalício, responsável, quer pela administração do hospital, quer pela gestão do vasto património legado pela instituidora, uma transição que deve ter ocorrido durante a década de 1360, já que o primeiro provedor nomeado pelo concelho está documentado apenas a partir de 1368. Apesar de gozar de alguma autonomia, o provedor era constantemente fiscalizado pelas autoridades municipais, nomeadamente no tocante à gestão do património fundiário legado pela instituidora ao hospital. Esse cuidado com a boa gestão é também observável nas inspecções que, regularmente, os magistrados municipais efectuavam ao hospital e às suas contas, aliás, tal como estipulado pela própria D. Maria de Aboim. Porém, mesmo com todas essas cautelas, a documentação refere, sobretudo a partir do século XV, diversas situações de má gestão, geralmente por incúria dos provedores relativamente ao património do hospital.

Esse património era constituído, na sua maioria, por bens fundiários, essencialmente propriedades agrícolas – vinhas, casais, herdades –, mas também diversas casas e adegas, situadas entre Lisboa, Sintra e Torres Vedras e cujos rendimentos, decerto que avultados, revertiam para o sustento e manutenção do hospital, das mulheres que aí eram alojadas, mas também do corpo de funcionários, designadamente do albergueiro, a quem devia ser paga uma remuneração anual, responsáveis pelo bom funcionamento da instituição. Para que se tenha uma breve noção da importância desse património, assinale-se que D. Maria de Aboim deixou ao hospital, para além das suas casas de morada, onde foi criada a instituição, diversas outras casas em Lisboa, nomeadamente nas Pedras Negras, na freguesia de S. Julião, na Rua das Mudas, na Rua das Esteiras e na Rua dos Fornos.

Instalado desde a sua fundação no paço que tinha sido a casa de morada da instituidora, o hospital situava-se no extremo norte da praça do Rossio, uma das zonas mais movimentadas de Lisboa. A construção da Cerca Fernandina, entre 1373 e 1375, colocou o edifício do hospital no interior deste perímetro amuralhado e nas proximidades de uma das suas portas mais importantes, a de Santo Antão. Composto por casas térreas e sobrados, uma torre e quintais, ao que parece bastante amplos e um dos quais equipado com um poço, o hospital destinava-se a alojar 10 mulheres pobres, mas de “bõa nomẽada” – como estipulado pela própria D. Maria –, isto é, mulheres que tivessem empobrecido e a quem devia ser dado, para além de alojamento, mantimento regular, roupa e calçado. Em contrapartida, a estas “merceeiras”, como eram designadas, era apenas exigido que estivessem presentes nas missas que eram rezadas na capela fundada por D. Maria de Aboim no vizinho mosteiro de S. Domingos, onde se fez sepultar. Caso não cumprissem essas obrigações ou se o seu comportamento fosse considerado reprovável, o provedor podia expulsá-las e substituí-las por outras mulheres necessitadas desse tipo de apoio. Ou seja, tal como sucedia com todos os outros hospitais medievais, o Hospital de D. Maria de Aboim também não se destinava ao tratamento de doentes, detendo, isso sim, uma função eminentemente assistencial.

Em 1480, o hospital de D. Maria de Aboim, bem como o Hospital do conde D. Pedro – fundado por Teresa Anes de Toledo, em 1348 e cuja gestão foi igualmente entregue, pela instituidora às autoridades municipais –, foram reunidos numa só provedoria nomeada, naturalmente, pelo concelho de Lisboa. O cargo recaiu sobre João Álvares Portocarreiro, mas cuja escolha partiu não do concelho, mas do rei, sinal de uma crescente intervenção da Coroa na gestão dessas instituições.

Foi o primeiro passo para a extinção do Hospital de D. Maria Aboim, em início do século XVI, e para que o seu património, tal como sucedeu com o de todas as restantes instituições assistenciais da cidade – aproximadamente sete dezenas –, fosse integrado, por iniciativa régia, no recém-criado Hospital de Todos-os-Santos.

Miguel Gomes Martins

BIBLIOGRAFIA

MARTINS, Miguel Gomes (2000), “Entre a gestão e as ingerências. A administração hospitalar municipal na Lisboa de Quatrocentos”, João Afonso de Santarém e a Assistência Hospitalar Escalabitana Durante o Antigo Regime, Santarém, Câmara Municipal de Santarém, pp. 120-131.

FERRO, Maria José Pimenta (1972), “Nótulas para o Estudo da Assistência Hospitalar aos Pobres em Lisboa: Os Hospitais de D. Maria de Aboim e do Conde D. Pedro”, A Pobreza e a Assistência aos Pobres ma Península Ibérica Durante a Idade Média. Actas das I Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval, Lisboa, 1972, pp. 371-400.

FERRO, Maria José Pimenta (1989), Pobreza e Morte em Portugal na Idade Média, Lisboa, Presença.

FONTES

Arquivo Municipal de Lisboa, Livro I do Hospital de D. Maria de Aboim, docs. 1 a 50

 

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