Desde que se instalou em Coimbra, em 1131-1132, que Afonso Henriques deixou bem claro que o seu grande objectivo estratégico era fazer avançar as fronteiras do Condado Portucalense até à linha do Tejo, ou seja, até aos importantes bastiões de Santarém e Lisboa. E tanto a construção do castelo de Leiria, quanto a ocupação do território de Ladeia, em meados dessa mesma década, mostravam-no de forma clara.
De forma a tirar partido da retirada de um grande número de forças almorávidas para o Norte de África – um processo iniciado em 1138 e que visava fazer frente à pressão dos almóadas –, o rei português ensaiou então uma primeira tentativa de conquista de Lisboa. Contudo, os autores não são unânimes quanto ao momento em que decorreu essa operação, com uns a apontar para o ano de 1140, com base nos Annales Domni Alfonsi, enquanto outros, sustentados no De expugnatione Lyxbonensi, se inclinam para 1142, uma cronologia que, na nossa opinião, parece fazer mais sentido.
A ocasião foi proporcionada pela chegada à costa portuguesa de uma frota de cerca de 70 navios que transportavam perto de 4.000 efectivos franceses, flamengos e, sobretudo anglo-normandos provenientes do Hampshire e do Kent, os quais teriam, alegadamente, o propósito de alcançar Jerusalém, embora o mais provável é que o seu intuito fosse essencialmente o de lançar operações de pirataria ao longo das costas do Mediterrâneo. Aliás, os dois líderes da expedição, os irmãos Ralph e William Vitalus, são inclusivamente identificados como “piratas”. Tratar-se-ia, portanto, de um empreendimento privado e não da participação numa grande expedição. Estes dois indivíduos eram, como foi já referido por Charles Wendell David, membros de uma linhagem há muito envolvida no transporte marítimo e bem relacionada com os monarcas normandos de Inglaterra, razão que os pode ter levado a deixar o reino de modo a não se verem envolvidos na guerra civil que opunha o rei Estêvão à imperatriz Matilda.
Segundo as fontes narrativas, o rei ter-lhes-á de imediato proposto – talvez no Porto, o último porto cristão do ocidente peninsular, onde é possível que tenham feito escala para se reabastecerem – a realização de um ataque a Lisboa, aliciando-os decerto com a promessa de um bom quinhão das riquezas da cidade. O empreendimento, que parece ter decorrido entre Maio e Junho, tinha, pelo menos em teoria, boas condições para resultar, não só pelo número de forças envolvidas, mas porque em Abril/Maio desse mesmo ano de 1142 Afonso VII tinha iniciado, pela segunda vez, o cerco à praça-forte de Coria, o que deveria obrigar os exércitos muçulmanos a dividir o seu efectivo caso pretendessem socorrer as duas praças-fortes sitiadas.
Do cerco, é muito pouco o que se sabe. Desconhece-se, por exemplo, se houve o envolvimento de engenhos de cerco, qual o efectivo disponibilizado pela Coroa portuguesa, ou se foram levadas a cabo algumas tentativas de ultrapassar as muralhas lisboetas. Sabe-se, contudo, que apesar de os sitiadores terem pilhado os arredores da cidade e, muito provavelmente, os seus arrabaldes, o ataque comandado por Afonso Henriques revelou-se um fracasso, um desfecho que os combatentes estrangeiros – que o De Expugnatione Lyxbonensi refere terem-se sentido traídos pelo rei português – atribuíram à incapacidade do monarca para mobilizar todas as forças que havia prometido, uma hipótese que parece fazer algum sentido, sobretudo se nos recordarmos que a ofensiva parece ter começado a ser preparada apenas aquando da chegada dos combatentes estrangeiros, ou seja, com muito pouca antecedência. Versão diferente é, no entanto, a que surge veiculada pelos Annales D. Alfonsi, que apontam como a principal causa do insucesso da campanha o facto de a cidade se encontrar bem defendida e abastecida e, como tal, bem preparada para resistir. Na realidade, talvez ambas as justificações façam sentido, pelo que sem meios humanos nem logísticos para levar a cabo um bloqueio eficaz e perante as dificuldades oferecidas pelo adversário, ao rei português não restou outra solução a não ser dar por findo o cerco. Ainda assim, não deixa de ser possível que tudo não tenha passado de uma tentativa de Afonso Henriques de testar a capacidade de defesa da cidade, de conhecer pessoalmente o local e, assim, planear com maior rigor uma operação de cerco que, efectivamente, tivesse o objectivo de conquistar a cidade, o que, como sabemos, veio a acontecer em 1147.
Miguel Gomes Martins
FONTES
“Annales D. Alfonsi Portugallensium Regis”, pub. por M. Blöcker-Walter, in Alfons I von Portugal. Studien zu Geschichte und Sage des Bergrunders der Portugiesichen Unabhängigkeiten, Zurich, Fretz und Wasmuth Verlag, 1966, pp. 151-161.
Conquista de Lisboa aos Mouros (A). Relato de um Cruzado, ed. de Aires Augusto do Nascimento, Lisboa, Vega, 2001 (CLM)
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1936 – De Expugnatione Lyxbonensi (The Conquest of Lisbon), edição de, New York, Columbia University Press.
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2017 – 1147. A Conquista de Lisboa na Rota da Segunda Cruzada, Lisboa, A Esfera dos Livros.
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2006 – D. Afonso Henriques, Lisboa, Círculo de Leitores.
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2007 – Norman and Anglo-Norman Participation in the Iberian Reconquista (c. 1018-c.1248), Nottingham, University of Nottingham (Dissertação de Doutoramento, policopiada).
2013 – “Revisiting the Anglo-Norman Crusaders’ Failed Attempt to Conquer Lisbon c. 1142”, Portuguese Studies, Vol. 29, nº 1, pp. 7-20.