Banhos Medievais em Lisboa

Pietro da Eboli, "De Balneis Puteolanis". Miniatura do Codice Angelico Ms. 1474 (Biblioteca Angelica di Roma). Século XIII.

Os banhos foram uma autêntica instituição urbana que definiu a higiene dos habitantes das cidades mediterrânicas desde a época antiga até à idade média. Ao contrário do que se costuma pensar, a época medieval não foi um período em que a população das grandes cidades do território português tenha perdido totalmente o antigo hábito de frequentar os banhos. Foi apenas no século XVI, já em época moderna, que ocorreu uma clara alteração nos hábitos de higiene dos portugueses em geral, e dos lisboetas em particular, como aqui observaremos.

Como se sabe, na época romana o banho fazia parte do quotidiano da população, sendo um hábito que criou fortes raízes sobretudo na orla mediterrânica, onde a presença romana foi mais longa e sólida. Durante a antiguidade tardia muitos banhos foram desativados, em toda a Europa ocidental, acompanhando a regressão urbana característica dessa época. No caso de Lisboa, não é possível afirmar com certeza se todos os banhos da cidade desapareceram nessa época, mas podemos considerar que a maioria terá perdido a sua função original ou mesmo desaparecido. Após a chegada do Islão à Península Ibérica, no início do século VIII, e com a recuperação urbana que ocorreu no al-Andalus desde essa época, os banhos públicos e privados voltaram a fazer parte da realidade urbana medieval, mantendo-se parte da vida social urbana nos reinos cristãos até ao final da idade média. A chegada da época moderna marcou o desaparecimento dos banhos das cidades ibéricas, associado a um período em que o obscurantismo religioso dominaria a sociedade, nomeadamente através da repressão sobre hábitos e costumes, realizada pela inquisição, a partir do século XVI.

Centrando-nos em Lisboa, durante a maior parte da época medieval, existiram na cidade banhos públicos e privados. Na época de domínio islâmico, al-Udri, um geógrafo árabe activo no século XI, afirma que aí existiam banhos, “de água quente e água fria”, os quais seriam possivelmente públicos e muito provavelmente abastecidos pelas águas de Alfama. Um dos cruzados que participou na conquista da cidade em 1147, reafirma a existência de “banhos quentes” em Lisboa. Encontramos também em inquirições régias, realizadas em 1220, a referência a uns banhos que foram de Magistri Iohanis, estruturas que pertenciam à Ordem de Santiago. Numa carta de partição de herança realizada em 1268, são referidas umas “casas de banhos”, situadas em Lisboa, como pertencentes à família de Domingos Infante, Vicente Infante e suas irmãs. No reinado de D. Dinis, além de se registar na documentação, em 1306, um lisboeta conhecido como o “Vasco dos Banhos”, sabemos que o rei possuía banhos perto do Chafariz del Rei, os quais se iriam manter na posse da Coroa até ao reinado de Afonso V, já no século XV. A coroa possuía ainda banhos no Arrabalde dos Mouros, durante o reinado de D. Dinis, os quais serviam não só a população islâmica da Mouraria, mas também cristãos. No reinado de Afonso IV, mais precisamente em 1347, encontramos referência a uns “Banhos de Afonso Bochardo” situados no Morraz, topónimo de uma zona ribeirinha no extremo do arrabalde ocidental da cidade, os quais ainda deviam funcionar em 1353, pois surgem nesse ano, em confrontações num outro documento.

Apesar de não conhecermos em detalhe a configuração dos banhos referidos na documentação medieval, podemos considerar, seguindo Luísa Trindade, que alguns destes banhos existentes na Lisboa medieval cristã, consistiam em “estruturas de pequena dimensão, sem grandes especificações técnicas. Talvez uma abóbada para evitar o gotejar da condensação; um forno, necessariamente, para aquecer a água; a imprescindível adega! Nada que as distinga particularmente do casario envolvente”. Não seriam com certeza todos semelhantes, pois alguns parecem expressamente ligados a águas termais enquanto outros deveriam ser abastecidos por água trazida de outros locais, a qual seria aquecida em fornos. Além disso, enquanto uns pertenciam a instituições como a Coroa, ou a ordem de Santiago, outros pertenciam a famílias lisboetas, sendo provável que existissem diferenças na dimensão e até nas tecnologias usadas. Seja como for, a principal função de todas estas estruturas estava intimamente ligada com a limpeza do corpo, um aspecto relevante nos hábitos de higiene medievais, que se alteraram gradualmente ao longo do século XV, até à proibição dos banhos no século XVI.

Nestas breves considerações sobre os banhos medievais de Lisboa, não podemos deixar de dar especial atenção às águas de Alfama. Note-se a longuíssima tradição de banhos termais registada neste bairro lisboeta, que podemos remontar a termas aí situadas na época romana, verificadas em escavações arqueológicas. Estas mesmas fontes termais foram ainda aproveitadas durante a época de domínio islâmico, como parecem indicar tanto o topónimo (al-Hamma>Alfama) como as descrições dos geógrafos árabes. Fontes termais que muito provavelmente alimentavam os banhos que a Coroa possuía perto do Chafariz del Rei, nos séculos XIV e XV. No século XVI, é possível que as águas de Alfama tenham ainda sido usadas em estruturas termais, mas apenas para fins medicinais, e já não para o uso quotidiano dos habitantes locais, como parecem demonstrar os vestígios arqueológicos de uns banhos quinhentistas encontrados perto do actual Largo das Alcaçarias, em Alfama. Após um longo interregno, entre a idade média e o início do século XVIII, os banhos públicos regressaram a Alfama, nomeadamente, com a abertura ao público dos Banhos do Duque de Cadaval, em 1716. Desde aí, foram várias as pequenas estruturas de banhos termais existentes em Alfama que funcionaram até ao século XX, merecendo destaque a perenidade das referidas Alcaçarias do Duque que persistiram até 1978, momento em que foram definitivamente encerradas.

Em jeito de conclusão, observemos que Alfama não deixou de ter águas termais, simplesmente estas deixaram de ser aproveitadas, ao contrário do que acontecia na época medieval onde as águas termais alimentavam não só banhos como outras estruturas em que as águas quentes eram uma mais valia, mas deixemos estas para outro dia…

Manuel Fialho

 

Bibliografia

 

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