Ataques navais castelhanos a Lisboa durante as guerras fernandinas (2)

Frota de Eduardo IV de Inglaterra (Rollo and The Romance of the Three Kings' Sons, c.1475-85, Londres, British Library)

A Terceira Guerra Fernandina teve início em Maio de 1381, ao que parece, com o ataque conduzido contra Trancoso pelo infante D. João – filho de D. Pedro I e Inês de Castro e que, anos antes, se tinha bandeado para Castela –, seguido por diversas incursões castelhanas no Alentejo e em Trás-os-Montes.

Mas as investidas castelhanas não se faziam apenas por terra. Com efeito, também a frota castelhana estacionada em Sevilha, sob o comando do almirante-mor Fernão Sanchez de Tovar – no cargo desde 1373 –, atacou o litoral português assolando diversas povoações costeiras. No entanto, o objectivo desta campanha naval era alcançar Lisboa, de modo a bloquear a foz do Tejo e impedir o desembarque dos mercenários do conde de Cambridge, que vinham em apoio de D. Fernando e cuja chegada era aguardada a qualquer momento.

Em resposta, no dia 11 de Julho, a armada portuguesa foi enviada em busca da frota castelhana com a missão de deter o seu avanço. No entanto, ao avistar as embarcações portuguesas, talvez já nas proximidades da costa algarvia, Sanchez de Tovar decidiu, dada a inferioridade numérica em que se encontrava, retirar em direcção à ria de Huelva onde, segundo Saturnino Monteiro, teria melhores condições para enfrentar as embarcações portuguesas, porquanto o faria “em águas restritas que dificultariam a manobra das nossas galés e onde as nossas naus teriam dificuldade em penetrar”.

As duas armadas encontraram-se, assim, ao largo de Saltes, na Andaluzia, no dia 17 de Julho de 1381. O confronto que então teve lugar e que durou entre duas a três horas terminou, por inépcia do almirante João Afonso Telo, irmão da rainha Leonor Teles, com uma derrota da armada portuguesa que, para além de um grande número de homens, perdeu 20 ou 23 galés (só as quatro naus e uma galé se salvaram). A derrota então averbada deixou Portugal sem meios para exercer o domínio do mar, mas acima de tudo, sem os recursos necessários para assegurar, como até então, o controlo da sua faixa costeira e a defesa marítima de centros urbanos como o Porto ou Lisboa que, agora, ficavam à mercê das armadas castelhanas. E foi justamente contra esta cidade que, depois de ter regressado a Sevilha, a frota de Sanchez de Tovar avançou novamente, e agora sem nada que a impedisse de atingir o alvo.

O cronista Thomas Walsingham regista um ataque naval a Lisboa pouco depois da chegada, no dia 19 de Julho, das forças de Edmundo de Cambridge, durante a qual as forças inglesas teriam provado o seu valor. Contudo, os acontecimentos não terão sido bem como o autor da Cronica Maiora os apresenta. Na verdade, os navios ingleses – todos eles de transporte – foram instalados, por receio da armada castelhana que, era sabido, se dirigia para Lisboa, na zona de Sacavém protegidos por grossas correntes de ferro e guardados por fortes contingentes dispostos ao longo da margem, onde se encontravam alguns trabucos e ainda – tal como em alguns navios, nomeadamente nas naus de maior dimensão – diversas bocas-de-fogo.

E de facto, pouco tempo depois da chegada dos navios do conde de Cambridge, talvez já em Setembro, a frota de Sevilha sob o comando do almirante Fernan Sanches de Tovar, entrou na barra do Tejo. No entanto, vendo que tinham chegado tarde demais e que, para mais, não tinham forma de danificar as embarcações inglesas, deram meia-volta e regressaram a Sevilha. Pelo menos é isso que afirma Fernão Lopes. Contudo, talvez esses acontecimentos não tenham decorrido da forma simples e breve como sugere o cronista. Assim, o mais provável que a armada castelhana tenha permanecido durante algum tempo ao largo de Lisboa, fechando a foz do Tejo e impedindo quer a saída dos navios do conde de Cambridge, quer a chegada de eventuais novos reforços ingleses. Alguns autores sugerem que esse bloqueio se prolongou mesmo até ao início do Inverno, pois só no dia 13 de Dezembro se deu a partida dos navios ingleses, ou seja, quando não havia já o perigo de terem de defrontar a armada castelhana. E se o fizeram numa altura já pouco propícia à navegação, então é porque só nessa altura o puderam fazer.

Quem parece ter vindo integrado na frota proveniente de Sevilha foi o infante D. João de Castro. Diz-nos o autor da Crónica de D. Fernando, que logo que soube do desfecho da Batalha de Saltes, o infante se dirigiu a Sevilha de modo a integrar-se na frota, que iria regressar a Lisboa com o intuito de impedir o desembarque dos ingleses. Contudo, D. João tinha um outro plano e que era tentar fazer uso do seu prestígio para obter a rendição de Lisboa, para o que iria também recorrer a alguns dos lisboetas mais destacados que haviam sido capturados aquando daquela batalha naval. E assim tentou convencer Estêvão Vasques Filipe, Gonçalo Vasques de Melo, Afonso Anes Nogueira, Geraldo Martins, Afonso Esteves da Azambuja e Gil Esteves Fariseu, entre outros, para que o ajudassem nessa tarefa. Claro que os interpelados recusaram o que lhes era proposto. No entanto, acabaram, talvez à força, por embarcar com o infante e por o acompanhar na viagem até à foz do Tejo. No entanto, assim que as embarcações se aproximaram da cidade, foram recebidas com tiros de trons e disparos de besta, pelo que o plano ficou, desde logo comprometido. E tal como as restantes, a galé de D. João, de modo a afastar-se dos disparos, terá ancorado ao largo de Almada, provavelmente a avaliar as suas hipóteses. Foi então que Afonso Anes Nogueira solicitou autorização para, devidamente acompanhado por um guarda, ir um pouco a terra, pois estava bastante enjoado. Contudo, assim que se viu no areal, conseguiu convencer o indivíduo que o escoltava a libertá-lo, prometendo-lhe a mão de uma sua irmã, o que o castelhano aceitou, mas sem que se saiba se a promessa foi, ou não cumprida.

Claro que este episódio do infante D. João pode ter ocorrido sem qualquer ligação com a chegada da frota do almirante Sanchez de Tovar e como sustenta, por exemplo, Salvador Dias Arnaut, que o coloca entre os dias 17 de Junho e 13 de Julho de 1381. No entanto, o que nos parece mais lógico é que, por uma questão de segurança, o infante tivesse vindo integrado numa armada de maior dimensão, ou quanto muito, que o tivesse feito numa altura em que a frota castelhana se encontrava já ancorada no Tejo, isto é, já depois da chegada da frota de Edmundo de Cambridge que, como vimos, aportou em Lisboa no dia 19 de Julho.

Sem ter logrado o seu principal objectivo, ou seja, impedir o desembarque das forças do conde de Cambridge, não tendo destruído as embarcações inglesas, impedida de se aproximar de cidade, a frota do almirante Sanchez de Tovar regressou a Sevilha, praticamente sem ter deixado qualquer sinal da sua passagem pelo Tejo.

 

Miguel Gomes Martins

 

FONTES

 

LOPES, Fernão – Crónica de D. Fernando, ed. crítica por Giuliano Macchi, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1975.

 

WALSINGHAM, Thomas, The Cronica Maiora of Thomas of Walsingham (1376-1422), Trad. de David Preest, Introdução e notas de James G. Clark, Woodbridge (UK) / Rochester (USA), The Boydell Press, 2005.

 

BIBLIOGRAFIA

 

ARNAUT, Salvador Dias

1960 – A Crise Nacional dos Fins do Século XIV. A Sucessão de D. Fernando, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra-Instituto de Estudos Históricos Dr. António de Vasconcelos.

 

DUARTE, Luís Miguel

2003 – “A marinha de guerra. A Pólvora. O Norte de África”, Nova História Militar de Portugal, dir. de Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira, Vol. 1, coord. de José Mattoso, Lisboa, Círculo de Leitores, pp. 289-441.

 

GARCÍA DE CASTRO, Francisco Javier

2011 – La Marina de Guerra de la corona de Castilla en la Baja edad Media. Desde sus Orígenes hasta el reinado de Enrique IV, Simancas, Universidad de Valladolid (Dissertação de Doutoramento policopiada).

 

MONTEIRO, João Gouveia

2003 – “De Afonso IV (1325) à Batalha de Alfarrobeira (1449) - Os desafios da maturidade”, in Nova História Militar de Portugal (Dir. de Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira), Vol. 1 (Coord. de José Mattoso), Lisboa, Círculo de Leitores, pp. 163-287.

 

MONTEIRO, Saturnino

1989 – Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa, Vol. I – 1139-1521, Lisboa, Sá da Costa.

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